CAPÍTULO 30

157 28 5
                                    

As minhas malas já estavam guardadas no porta-malas do carro. Não estava levando quase nada, além de algumas peças de roupas.

Não sabíamos ainda para onde iríamos, só que seguiríamos viagem para onde o destino nos levasse.

Eu estava esperando Karine terminar de escrever uma carta para o irmão – Kaio –, dizendo que sentia muito por ter fugido, mas que queria recomeçar a vida. Vi-a escrevendo que ele tinha tudo o que precisava na casa, pois ela não estava levando nada além de suas roupas.

- Eu sei que ele vai entender! – Ela disse suspirando. Dobrou o papel ao meio e deixou ali perto da TV.

Ela levanta a cabeça e me encara, sorrindo.

- Está pronta? – Pergunto.

Karine faz que sim, e com isso, partimos para o carro em direção à nossa jornada.

Meu coração deu um leve aperto quando o carro ultrapassou a placa que dizia "Você está saindo de Lagoa da Prata. Volte Sempre." Mas apertei o pé no acelerador e parti rodovia afora.

O asfalto estava liso e leve sob os pneus, como se o carro flutuasse. Os faróis pareciam mais intensos, como nunca foi; iluminando a estrada com um brilho forte. Talvez fosse impressão minha. Talvez esse brilho estivesse em meus olhos, e não nos faróis. Eu estava irradiando felicidade e ansiedade. Pois, o acordo que Karine fez comigo foi de parar para dormir só quando estivéssemos longe o suficiente de Lagoa da Prata.

Dentro do carro estava silencioso. Mas não aquele silêncio tenso ou constrangedor; não. Era um silêncio de tanta felicidade que não conseguíamos dizer nada. Só ficávamos encarando um ao outro de vez em quando, sorrindo. Os únicos barulhos que eu ouvia era do leve motor do carro e da brisa fria da noite que vinha da janela. Não fosse por isso, eu acho que conseguiria ouvir a respiração de Karine, pois seu peito subia e descia em uma respiração feroz. Se era ansiedade, medo ou entusiasmo, eu não saberia dizer.

Foi quando a fome bateu com toda a força possível, e acabei me lembrando de que não comi nada antes de sair. Já estávamos à quase duas horas e meia de viajem, faltava pouco pra cidade mais próxima, então olhei para Karine, que também me encarou.

- Eu não comi nada antes de sair. Estou com fome. – Foi ela quem disse, e acabei sorrindo porque foi como se ela lesse meus pensamentos ou fôssemos ligados de alguma forma, como um laço Parabatai ou uma maldição entre feéricos (às vezes meu espírito de leitor fala mais alto).

- Conheço um lugar bom para pararmos. – Falei.

E voltei minha visão para frente no mesmo instante que parei o carro, paguei pedágio e seguimos adiante.

Mais alguns quilômetros e estaremos na cidade mais próxima...

E depois de mais alguns minutos, adentramos a cidade de Divinópolis, onde o trânsito é muito mais intenso que a cidade onde eu morava. Mas eu já estive ali várias vezes antes, e sabia de um restaurante muito bom, que era especialista em comidas e especiarias mineiras.

Comecei a manobrar o carro para estacioná-lo de frente para o restaurante de nome "Recanto Mineiro". E, um pouco mais à frente de mim, uma pessoa fazia o mesmo para estacionar um Corolla preto e brilhante. Mas meus olhos se arregalaram quando os faróis vermelhos da traseira do Corolla começaram a se aproximar demais.

- O que o motorista está fazendo? – Indagou Karine ao meu lado.

O carro se aproximou mais... mais... mais... E quando vi que estava perto demais, apertei a buzina com força, e o Corolla parou de abrupto. Coloquei minha cabeça para fora da janela.

- O que pensa que está fazendo? – Gritei.

Respirei fundo para me aliviar daquele pequeno susto, e vi Karine fazer o mesmo.

Alguns instantes depois os faróis do carro brilhante e caro se apagaram, e a porta do motorista se abriu. Uma perna com botas de couro até o joelho se fixou no chão, depois a outra perna, e a mulher saiu. Por um instante, um mínimo instante, achei ser Katrina por causa das botas, do vestido colado e o casaco que ia até os joelhos da mulher.

Mas não podia ser ela; é claro que não. Primeiro porque ela não sabia que eu e Karine tínhamos fugido; ninguém sabia. Segundo: a mulher que saiu do carro tinha cabelos na altura do queixo, era ruiva e tinha pele morena. Ela colocou uma bolsa sobre o ombro e fechou a porta do carro com leveza; não olhou para trás um segundo sequer.

Ignorei. Saí do carro, e Karine também, e adentramos o Recanto Mineiro. O local estava cheio, e o cheiro de churrasco e feijão tropeiro me pegou desprevenido, fazendo minha barriga roncar. Música sertaneja universitária passava em algum lugar. Corremos para pegar um lugar perto da janela.

Comemos muito. Rimos muito. Conversamos muito, sobre muitas coisas, e principalmente sobre nosso futuro. Eu estava tão, tão feliz de estar com quem eu realmente amava!

Paguei a conta e partimos para nossa jornada novamente. E resolvemos que nossa próxima parada seria somente para almoçar, onde quer que nós estivéssemos.

As curvas agora eram mais perigosas e sinuosas. Karine, ao meu lado, estava com os olhos fechados, cochilando. Seu peito subia e descia numa respiração leve.

***

Algumas horas se passaram, e já eram, mais ou menos, três da madrugada. Já estávamos longe demais de Divinópolis, mais longe ainda de Lagoa da Prata. A rodovia estava deserta, exceto por mim e pelo carro atrás que... Espera aí... Cerrei os olhos no retrovisor, e percebi que o carro atrás de mim era o mesmo Corolla que quase bateu no meu capô.

Será que aquela mulher estava me seguindo ou, por coincidência, estava indo pelos mesmos caminhos que eu?

Então resolvi mudar o meu trajeto por via das dúvidas. Troquei o asfalto por chão de terra quando virei a primeira esquina à direita. As ruas ali eram muito ruins; eram estreitas e tinha muitos buracos. E tive certeza de que aquela mulher estava me seguindo quando ela virou junto comigo.

Meu coração começou a acelerar com uma pontada de medo. O que ela queria? Será que eu deveria parar e perguntar? Mas o que eu fiz foi apertar ainda mais o acelerador e correr. Meu carro corria ferozmente, e, quando passei por um buraco fundo demais, Karine deu um pulo e acabou acordando.

- Por que está correndo tanto, Dylan? – Foi a primeira coisa que ela disse.

- Estamos sendo seguidos. – Respondi, simplesmente.

Karine se empertigou no assento.

- O quê? Por quê?

Os faróis do Corolla irromperam pelo vidro traseiro do meu carro... Ela tinha me alcançado. E pior, ela passou na minha frente. Tomou uma distância curta, virou o carro com uma derrapada e parou no meio da estrada, impedindo a minha passagem. Freei no último instante. O impacto me jogou pra frente. A sorte é que Karine estava com cinto de segurança.

Fiquei encarando o carro negro à minha frente, já sujo pela poeira das ruelas de terra. Minha respiração estava irregular.

A porta do Corolla se abriu, e a mulher saiu do mesmo jeito que saíra no restaurante, como uma diva do pop prestes a entrar em um tapete vermelho. Ela colocou uma mão sobre o cabelo ruivo e curto, a outra mão foi para os óculos espelhados, e puxou-os em uníssono.

Cabelos escuros se desvencilharam do coque e caíram sobre as costas da mulher. Os olhos eram de um castanho-escuro.

- Achou que fugiria de mim assim tão fácil, Dylan? – Ela disse.

Diz que você me ama (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora