"Eu passei muito tempo dentro da minha mente e acabei perdendo a cabeça."
Edgar Allan Poe
Eu tinha 17 anos quando aconteceu. Mesmo naquela época já me considerava uma garota forte, independente. Meu pai me criou assim. Por isso foi tão difícil. Eu queria apagar cada segundo do que passei. Fui fraca. Mais que isso. Fui burra.
Por isso mesmo, decidi colocar uma pedra em cima do que aconteceu. Varrer os sentimentos para debaixo do tapete. Não faria diferença na minha vida. E durante anos realmente não fez. Não até eu colocar meus olhos nele.
Eu jurei para mim mesma nunca me apaixonar. Não permitir que homem nenhum entrasse na minha vida. E então Taylor apareceu, me desafiando, me deixando louca. E descobri que existem sentimentos que não conseguimos controlar. Eu o amava. Simples assim.
- Taylor... tem uma coisa que eu quero que você saiba. É sobre o meu passado. E tenho medo de te perder depois que eu te contar.
- Jess, não importa o que aconteceu no passado. Você não precisa ter medo. Não precisa me explicar nada.
- Eu preciso. Eu quero. Tay, você não faz ideia de quanto é difícil pra mim. Você me faz querer coisas que eu sei que não posso ter. E não posso te dar.
- Eu não estou entendendo...
Eu quase me acovardei. Assim que ele sentou na cama, sério, com a expressão concentrada, eu quase desisti. Nunca senti tanto medo na minha vida. E então decidi começar pelo fim. Pela consequência da minha irresponsabilidade.
- Eu não posso ter filhos, Taylor. - eu não podia chorar. Não tinha o direito. Então, o pânico tomou conta de mim e simplesmente levantei da cama apressada, colocando a primeira peça de roupa que encontrei pelo caminho; uma camisa dele que ficava grande demais em mim.
- Ei, ei... Isso não é culpa sua, Jess. Calma. - ele veio atrás de mim e segurou levemente o meu braço, me puxando em sua direção, buscando meu olhar - Nada vai mudar entre nós. Você não precisa ter medo.
- Sabe o que mais me deixa apavorada. Eu nunca quis ter filhos, Taylor. Nunca. Antes de você.
- Você queria ter um filho meu? - a maneira com que ele me perguntou, o tom suave em sua voz, o toque gentil no meu rosto, o azul indescritível de seus olhos nos meus... ele me daria o mundo se eu pedisse. Meu maior medo era que ele deixasse de me olhar assim, de me querer assim. Que esse amor fosse tragado pela decepção.
- Que diferença isso faz? Eu não posso. E a culpa é minha.
- Jess, aonde você vai? Conversa comigo. - por mais que quisesse vomitar tudo de uma vez e dizer o que aconteceu, as palavras engasgavam. Um nó se formava na garganta, me impedindo de dizer a verdade. Eu precisava respirar, sair daquele quarto onde tínhamos acabado de fazer amor loucamente.
- Eu vou conversar, Tay. Não vou fugir disso. Podemos descer um pouco? Preciso de um drink. - disse, terminando de subir o zíper do vestido.
Ele estava apreensivo. Não disse uma palavra enquanto se vestia. Mesmo assim, agarrou com força a minha mão durante o percurso até o bar do hotel. Sentamos frente a frente em uma das mesas que ficavam num espaço mais reservado. A luz fraca da lâmpada redonda sobre nós iluminava perfeitamente o seu rosto. As marcas que se acentuavam ao redor dos olhos quando ele estava preocupado ou pensando demais. Os lábios tensionados. Por Deus, ele era um homem lindo.
Praticamente virei o drink em um gole e ele continuava apenas observando, sem dizer uma palavra. Seu silêncio me causava um desconforto terrível. Era como se ele soubesse que havia algo errado e de alguma forma já estava me julgando em pensamento. Era o que eu temia. Ser julgada por ele.
- Eu não te entendo... - Taylor diz, depois de um tempo, em um sussurro ferido - Sei que está me escondendo alguma coisa e preciso saber o que é. Preciso que me diga a verdade.
- Tenho tanto medo.
- Do que tem medo? - o sussurro suplicante que brota dos seus lábios, faz que eu me sinta pior ainda.
- Da sua rejeição, da sua repulsão, da sua pena, de que nunca volte a olhar pra mim como faz agora...
- Eu amo você, Jess. Seja o que for que você tem pra falar, confie no que eu sinto por você.
E então eu falo tudo.
Eu tinha 17 anos quando aconteceu. Ele era bem mais velho que eu. Músico famoso, mundialmente reconhecido. Desde nova, gostava de ficar no estúdio com meu pai e foi lá que nos conhecemos. A diferença de idade não me incomodava. Pelo contrário. Ele era um homem bem mais interessante do que os garotos da minha idade. Fiquei intrigada. Deslumbrada. Ele sabia exatamente o que fazer para me envolver, me seduzir. Eu permiti. Não demorou muito para que eu descobrisse que ele era casado. Tinha filhos. Uma família. E quando tentei terminar tudo, ele mostrou quem era de verdade e o que queria comigo.
Enquanto conto o que aconteceu, mais uma vez, algo se quebra dentro de mim. A confusão invade as feições de Taylor durante alguns instantes, antes que realmente entenda o que quero dizer. Então, ele empalidece de imediato. O horror em seu olhar... Quero gritar, quero chorar, quero ir embora e colocar uma enorme distância entre nós para aliviar a dor que sinto nesse momento.
Seus olhos pousam em mim, mas não diz nada. Seu olhar está escurecido e tento entender o que acontece com ele. Ele vira o copo de cerveja. É como se estivesse tentando escapar do mundo por alguns instantes. Ele permanece quieto, antes de deixar garrafa com brutalidade sobre a mesa de madeira.
Não posso evitar recuar pela dureza de sua ação. Minha respiração se prende em minha garganta. Desvio o olhar. Pela primeira vez, me sinto envergonhada. Não suporto a ideia de ele sentir nojo de mim. Suporto menos ainda a ideia de ele sentir pena.
- Olha pra mim, Jess. - ele pede com a voz rouca e baixa, mas não o faço. Não me atrevo a olhá-lo no rosto, porque a humilhação é suficiente para me fazer querer afundar na minha miséria - Por favor, olha pra mim.
Levo alguns segundos para conseguir encará-lo, mas quando tomo coragem me surpreende encontrar uma expressão torturada.
- Ele forçou você?
- Eu deixei.
- Não foi isso que perguntei.
- Eu pedi que parasse. Eu disse não. Ele não parou. Dizia que eu estava gostando. Que era isso que eu queria. Ele foi até o fim. E eu deixei.
- Ele te estuprou. - a tortura em sua voz me quebra de formas inimagináveis. Meu peito dói. Sinto como se tudo estivesse caindo aos pedaços ao meu redor. Respiro profundamente e tomo coragem.
- Eu fiquei grávida. - minha visão é escurecida pelas lágrimas não derramadas. Taylor coloca a mão sobre a testa e depois arrasta os dedos até os cabelos. - Eu fiquei grávida e não sabia o que fazer.
- Você tirou a criança? - meu coração bate a uma velocidade desumana, minhas mãos estão trêmulas e frias.
- Eu quis. Foi a primeira coisa que pensei quando descobri. Cheguei a procurar uma clínica. - o nó na minha garganta está tão apertado, que não posso respirar direito. O buraco na boca do meu estômago aumenta a cada segundo que passa e a queimação atrás dos meus olhos é insuportável.
- Mas você não fez isso? - a interrogativa carrega uma mistura de alívio e frustração, não sei qual dos dois sentimentos sobressai naquele momento.
- Não. Eu não tirei a criança. Decidi ter o meu filho. Era um menino.
- O que aconteceu com ele?
- Tive complicações sérias. - mal posso olhá-lo sem desmoronar e as lágrimas finalmente caem - Perdi meu bebê, Taylor. Eu perdi. Eu quase morri. Os médicos não conseguiram controlar a infecção. - as palavras me sufocam, as recordações são tão intensas que não consigo parar de tremer - Não posso mais ter filhos, Tay.
Ele tenta tocar a minha mão por cima da mesa, mas eu me afasto. Um milhão de sentimentos se apoderam de mim. A humilhação, a vergonha, a impotência. Tudo cai sobre mim como um balde de água fria. Preciso me desfazer da repulsão e do nojo que sinto por mim mesma. Preciso me desfazer da culpa. Abro a boca para dizer algo, mas as palavras não vêm. Não sei mais o que falar. Então simplesmente me levanto e saio. Eu preciso de tempo. Eu preciso voltar a respirar.
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COM TODO MEU AMOR (CONCLUÍDA)
Literatura Feminina"Eu estava quebrada por dentro, mas ele juntou todos os pedaços e me fez inteira de novo". A famosa booking manager Jessica Stand está cansada de trabalhar com artistas polêmicos e problemáticos da indústria fonográfica. Conhecida por elevar a carre...