Capítulo 17

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Girei a maçaneta já com o outro punho fechado, estava pronta para o que estivesse atrás daquela porta. Emili parecia tão nervosa quanto eu, mas também tão preparada quanto. Ela estava estática em uma posição de ataque, um punho cerrado cobrindo os olhos e o outro pouco abaixo do queixo. Parecia uma lutadora, no entanto seu vestido florido e seus all stars amarelos extinguiam qualquer ar intimidador que ela tentasse transmitir. Além disso, aqueles bracinhos de macarrão não podiam causar muito estrago.

O ranger da porta nos fez estremecer e eu podia sentir a tensão em cada nervo do meu corpo. Congelei no momento em que uma figura emergiu das sombras. Fechei os olhos buscando uma força dentro de mim, e concentrei tudo o que havia passado durante esse tempo na Coréia nos meus punhos, raiva, medo, angústia. Respirei fundo e gritei para Emili.

— AGORA!

No mesmo instante senti minhas mãos acertarem uma bochecha macia e gordinha.

Gordinha até demais.

Abri meu olhos rapidamente, e quando vi Emili chutando o que estava no meio das pernas do senhor Uva-passa, tive que engolir uma gargalhada.

O grito esganiçado do porteiro ecoou pelo nosso andar.

— É-é este o apartamento s-senhorita - disse como se fossem suas últimas palavras, uma voz rouca quase inaudível. Ele estava ajoelhado com a mão entre as pernas e deitado em posição fetal.

— Ops - disse Emili com um sorriso de "quem fez o que não devia" - desculpa?

— Oh meu Deus senhor Neo Nugu Ni!! - Dora estava com os olhos arregalados e foi correndo socorrer o homem no chão, que agora estava vendo estrelas. - Muito bom saber como vocês tratam as visitas meninas. Parabéns.

— Dora?? - eu estava surpresa demais para ter outro tipo de reação senão uma boca aberta. O que ela estava fazendo aqui?! Se ela veio me buscar, terá vindo em vão, eu não iria voltar. Não agora. Mas mesmo receosa quanto a sua visita surpresa, era muito, muito bom vê-la.

Dora estendeu os braços e me permitiu me enfiar no seu casaco de pele num abraço apertado.

Meu coração pesou, e pude senti-lo murchar dentro do meu corpo.

Ela estava aqui mesmo? Era real?

Fazia exatamente um mês que eu não a via, duas semanas que não ouvia sua voz, enquanto tentava fugir da minha sentença, e apenas naquele momento percebi o quanto estava sentindo sua falta.

— Mãe... – minha voz saiu baixa, e nem eu entendia aquela saudade ardente que queimava ali.

A verdade era que Dora não cultivara e apreciara o sentimento de ser mãe. Acho que para ela foi como um estalo - "Preciso de um filho"- algumas idas ao fórum assinar papéis e encontrar as assistentes sociais. Nada como nove meses de preparo, carinho, e aprendizado. Eu nasci na vida de Dora como um estouro, e todos os nove meses que ela não passou comigo em seu ventre, teve de lutar para recompensa-los.

Eu tinha três anos, e passara tempo demais numa casa abrigo esperando alguém pra brincar de bonecas comigo.

Entender que na próxima segunda-feira você teria uma mãe novinha em folha te esperando era estranho. E ela não era novinha.

Talvez a falta de experiência de nós duas, fez com que nossa relação não fosse algo extremamente próximo e cheio de afeto. Eu amava Dora, mas não aprendera tanto o que era o amor. O verbo era bonito de se pronunciar, "amar", mas eu não sabia como fazer uso dele.

O fato de não saber de onde eu viera, quem me gerara, e o motivo do abandono, me fizeram acreditar que o amor às vezes não era uma coisa que nascia com você. Se nascesse, meus pais não teriam me deixado.

Coordenadas de um CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora