XXIII

219 25 4
                                    


"Don't touch me
I'm fragile
I'm bitter in my heart
Momma sold me
For candy
And I was ruined from the start
Why do you have to sell me
To those mean old men?
They cut me up in places
I don't even understand
It's normalcy to me
But how will my friends understand?
I'm five years old
Sleepin' with a million men".
-A Million Men, Melanie Martinez

63 dias antes...

05:15 am.

-E o que acontecia no porão? - Viggo perguntava à garotinha. Soluço havia ficado vendo aqueles vídeos a noite e madrugada inteira, no início Astrid não dizia nada e as conversas eram aleatórias como "Me conte sobre seu desenho favorito", "Do que você gosta de brincar?", "Sua cor favorita?" e apenas depois da quinquagésima sessão ela havia começado a falar o que tinha acontecido.

Ela contou que morava com a mãe e o padrasto desde que era um bebê e que seu pai visitava sempre que podia para brincar com ela, mas quando o pai não estava as coisas ficavam um pouco... Sombrias. 

Ela disse que o padrasto costumava a levá-la para o porão da casa, mas não disse o que acontecia lá dentro... Até agora. 

-A mamãe me dava bala. - Ela explicou. 

-E as balas eram gostosas? - Viggo perguntou e a loira balançou a cabeça, negando. O psiquiatra franziu a testa. - E por que você comia, se não gostava delas? 

-A mamãe dizia que eu previsava pra poder brincar. - Ela disse e Soluço finalmente entendeu: ela era drogada pela própria mãe. 

-E seu padrasto brincava com você? 

Ela assentiu. 

-E você achava divertido? 

Ela negou mais uma vez. 

-Me machucava, mas a mamãe dizia que não era nada. 

-E por que você continuava brincando se te machucava? 

-Deixava a mamãe feliz. - Ela respondeu e Soluço fechou o notebook com força, incapaz de continuar o vídeo. 

Sua garganta estava travada, as mãos trêmulas e lágrimas silenciosas escorriam por seu rosto. Ele não sabia o que sentia naquele momento: nojo, indignação, puro ódio ou uma sádica mistura dos três. 

Ele sabia agora o que a havia tornado daquele jeito, provavelmente uma mistura das drogas com a lembrança do trauma, do abuso sofrido pelo padrasto e pela própria mãe. Ele pensou que havia sofrido quando mais jovem por ter visto a mãe ser assassinada a sangue frio... Mas isso? Isso era demais até para ele. 

Sim, ele era uma pessoa ruim, machucava, torturava e matava a sangue frio, mas uma coisa que ele nunca entendeu ou aceitou foi estupro e saber que sua princesa havia sido repetidamente estuprada com a própria mãe de testemunha observando e rindo do sofrimento dela era demais para ele, era o suficiente para fazê-lo querer caça-los e persegui-los, torturá-los como nunca havia torturado na vida para que sofressem uma morte agonizante e lenta, para que seu rosto fosse a última coisa que eles veriam em vida e a primeira coisa que veriam quando chegassem no inferno. 

07:45 am. 

-Por que me chamou? - Astrid perguntou com a testa franzida, sentada na mesa de café da manhã com

Soluço. Ele deu de ombros.

-É domingo, você tem alguma coisa melhor pra fazer? 

Ela pensou por um momento antes de dar de ombros. 

-Você tem razão. 

-Eu sempre tenho razão. - Ele se gabou e Astrid revirou os olhos.

Os dois conversaram pela manhã, fizeram planos para próximos encontros, mas nunca contaram nenhuma história passada, nada sobre a infância, sobre seus pais ou como era a vida naquela época. 
Eventualmente, os dois acabaram adormecendo na cama do garoto, depois de conversarem por umas boas três horas. 

12:28. 

Soluço e Astrid ainda dormiam, quando a garota constantemente se mexendo acabou acordando o rapaz. Ele olhou para a loira. 

Ela segurava os lençóis da cama com força, tinha a testa e os lábios franzidos, murmurava algumas coisas que ele não entendia no início, mas logo começou a ouvir as súplicas dela, implorando para que parassem e a deixassem em paz. 

Um pesadelo. Ele pensou. Deve ser o padrasto. 

-Astrid. - Ele a chamou, tentando chacoalha-la. Ela respirava pesadamente e ele temia que não conseguiria tira-la daquele estado delirante. Ele colocou as mãos no rosto dela. - Astrid, está tudo bem, é apenas um pesadelo. Astrid! - Ele chamou mais alto e ela abriu os olhos. 

Ela inalou com força e o olhou apavorada, o empurrando para longe, se encolhendo no canto da cama enquanto gritava para ele se afastar. Ela levou as mãos à cabeça e fechou os olhos com força, deixando lágrimas escaparem. Ela estava delirando e ele não sabia como fazer aquilo parar.

Ele se aproximou dela lentamente e se ajoelhou ao lado dela na cama. 

-Astrid? Está tudo bem, sou apenas eu, o Soluço. - Ele disse com a voz baixa e calma. Ele pegou uma das mãos dela, a apertando levemente e Astrid o olhou assustada. 

Ela estava assustada não por sua mente delirante, mas porque as vozes em sua cabeça haviam parado de gritar assim que ele havia pêgo sua mão. Sua visão pareceu entrar em foco quando ela realmente o reconheceu, seus olhos se encheram com mais lágrimas e ela soltou todas, deixando até a última delas cair nos lençóis de seda. Soluço a envolveu em seus braços e a abraçou com força, ela escondeu o rosto na curva de seu pescoço e deixou com que toda a euforia, o medo e o alívio por tudo ser um sonho saíssem como lágrimas em seus olhos. 

Ele murmurava no ouvido dela, dizendo que tudo estava bem, que ela estava segura e que não estava sozinha, que ninguém a pegaria ali e de repente Soluço Haddock havia deixado de ser o playboy com quem ela se divertia e havia se tornado seu belo cavaleiro em armadura reluzente. 

I Need A GangstaOnde histórias criam vida. Descubra agora