Capítulo 17

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Eu não queria me fixar na redundância dos sentimentos ruins que eu estava tendo por Dean. Já tinha ficado claro pra mim que eu precisava tratar minha ansiedade, controlar meu temperamento e tentar me distanciar do que me fazia mal.
O fato de eu e Connor sermos praticamente dois sem teto não me ajudava a reestruturar minha vida, mas eu estava confiante, pelo menos. Cheguei na escola ainda carregando a mochila com minhas coisas. Eu precisava trabalhar, mas me parecia meio irônico pedir a bandos de adolescentes que controlassem seus impulsos e fossem minimamente regrados com tudo que eu vinha fazendo.
Estava falando sobre a ira de Otelo contra Desdêmona e meu interior se revirou. Shakespeare era atemporal. Sempre acreditei que as boas obras literárias perduram ao longo dos anos porque tratam dos conflitos humanos. E somos tão humanos hoje quanto eram os convivas de William em 1603.
Meu breve devaneio foi interrompido por uma batida na porta. Olhei para a pequena janelinha que entrecortava a madeira e o rosto aflito de Julia me preocupou.
- Continuem lendo. Concentração. - pedi aos alunos e abri a porta.
- Tem um minuto, Liv? - ela pediu visivelmente nervosa. - Eu sei que eu não sou exatamente alguém que você queira ver agora, mas eu não tenho mais ninguém.
- Estou terminando a aula. Acha que consegue esperar uns dez minutos? - perguntei e ela fez um sim com a cabeça.
Dispensei a turma e encontrei Julia no pátio. Ela andava de um lado pro outro, muito diferente de seu jeito habitualmente relaxado.
- Sinto muito ter vindo até você, Liv. - ela me abraçou.
- Jules, o que está acontecendo? Nunca vi você assim. - perguntei sem entender nada, mas eu imaginei que Dean a tivesse ameaçado ou feito algo contra ela.
- Olivia, eu estou grávida. - ela disse começando a chorar.
- Puta merda. - exclamei com um choque difícil de conter. Ela me encarou completamente desesperada. - Desculpa, Jules.
- É puta merda mesmo, Liv. Eu estou tão perdida.
- Você tem certeza, Julia? - perguntei com esperanças de que ela só estivesse atrasada.
Ela balançou a cabeça em gesto afirmativo e eu a abracei denovo.
- Já falou com Connor? - essa frase foi meio amarga na minha boca. Julia não sabia de tudo que tinha acontecido.
- Não, Liv. - ela suspirou ironicamente. - Eu não posso falar com ele.
Entendi o que Julia quis dizer com aquilo. Era difícil avisar o pai do bebê quando não se tinha bem a ideia de quem era ele. Parecia que estávamos mais enrolados do que quando estávamos os quatro nus na mesma cama.
- Mas como, Jules? - fiquei consternada com a situação dela. Não era algo fácil.
- Eu não sei. Eu juro que estava tudo certo. Deve ser algum tipo de castigo.
- Por favor, Julia não diga isso. - pensei em como a falta de clareza estava atrapalhando seu julgamento sobre a situação. Eu queria muito ser mãe quando chegasse a hora certa.
E foi então que concluí, não era a hora para Julia.
- Eu não posso ter esse bebê, Liv. Eu não vou. Eu vou procurar uma clínica, já está decidido. Eu só não posso ir sozinha. - ela me olhou suplicante e me senti angustiada.
- Por que você não me falou nada ontem? - tentei desviar do assunto da clínica para que ela se acalmasse um pouco.
- Eu só tive certeza hoje. E como eu diria? Dormi com seu marido algumas vezes e ele pode ser o pai do meu filho, parece algo fácil de dizer?
- Não. Apesar de você estar me dizendo hoje. Não sei o que é pior. Sentir tudo de uma vez ou aos poucos.
- Eu sinto muito, Liv. Eu não tenho ninguém.
- Eu sei. - a abracei novamente.

As coisas haviam ido ladeira abaixo, e pareciam piorar.

No final da tarde entrei no escritório de Elizabeth. Ela estava cuidando do divórcio de Julia e Connor, achei que poderia aproveitar e cuidar do meu também. Expliquei brevemente a ela toda a situação. Foi difícil convencê-la que eu e Dean não tínhamos salvação.
Ela me prometeu o levantamento de tudo, e assegurou que em breve estaríamos separados, caso Dean também concordasse com os termos. Essa parte me assustou. Eu não queria ser pessimista, mas tive a impressão que Dean não estaria inclinado a me ajudar.
Voltei ao hotel desanimada. Queria me trancar dentro do quarto com Connor e fingir que o mundo lá fora não existia. Seria demais que em um dia de "relacionamento" com ele eu já usasse a expressão "Precisamos conversar"?
Quando ele entrou no quarto, algo em mim se acalmou instantaneamente. Olhei pra ele de cima da cama e estendi os braços. Ele veio se deitar comigo e me beijou demoradamente.
- É bom chegar em "casa" e ver você. - ele disse com o sorriso mais maravilhoso do mundo e eu senti meu coração apertar.
Eu pensei muito e decidi que não cabia a mim contar a Con sobre Julia.
Ela precisava falar ou não, por mais difícil que fosse mantive seu segredo.

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