Capítulo 20

4.4K 247 84
                                    

O fogo é um dos elementos mais fascinantes e poderosos que existem. Ele é usado figurativamente para descrever tudo que pode consumir as coisas muito rapida e violentamente. Quando Connor parou na rua e descemos da moto eu levei instintivamente as mãos à cabeça. Parecia dia, tamanho o clarão que saía das chamas. A casa vizinha à casa de Julia estava inteira tomada pelo fogo e a casa dela, antiga casa de Connor estava quase inteira queimando.
- Fique afastada e se proteja. - Connor ordenou analisando o local e se afastando de mim.
Edgar devia ter ligado para Connor assim que recebeu o chamado e chegamos aparentemente minutos depois dos bombeiros. Connor correu para o caminhão e se paramentou com tanta rapidez que quando dei por mim ele já estava ajudando seus companheiros. Havia uma pequena multidão se aglomerando do outro lado da rua. Aquilo era surreal. Eu nunca tinha visto nada impressionante ou assutador daquela forma.
- Onde está Julia? - perguntei a Dean sem me importar com nossas diferenças naquele momento.
- Ela está lá dentro. - ele falou correndo para ajudar a conectar a mangueira ao caminhão, para começarem a jogar água em tudo.
A porta da casa estava em chamas, e Julia jamais ia conseguir sair por ali. Pelos comentários deduzi que ainda havia algumas pessoas da outra família dentro da casa. Connor e Dean começaram a se arrumar para entrar, usando máscaras e roupas específicas corta chamas. Meu coração se apertou nessa hora. Eu sabia que eles eram os melhores para isso, mas vê-los encarando algo tão potente e devastador era aterrorizante.
Já era impossível conter as lágrimas naquele momento. Eu estava com muito medo, inclusive por Julia. Eles entraram na casa e cada minuto que se demoraram lá dentro passou de forma excruciante no meu relógio. Eu entendia algo de salvamentos, tinha sido o assunto de muitas das nossas noites juntos e até em festas. Sabia que há um limite para o tempo que um ser humano pode ficar exposto ao material aquecido pelo fogo, aos gases da queima de madeira e outros materiais. Tudo isso passou na minha cabeça em uma fração de segundos. Repeti alto que a temperatura pode chegar a 800°C durante um incêndio estrutural, e olhei denovo no relógio.
Dean saiu da casa carregando uma garota envolta em um cobertor. Saía vapor de suas roupas.
- Tem mais uma pessoa, Connor está o trazendo. Eles estavam no quintal. Não tem mais ninguém.
Con saiu da casa e meu coração voltou a bater. Fiquei aliviada pela visão dele saindo do meio das chamas.
Nolan me pediu para me afastar e esperar com as outras pessoas atrás do isolamento que eles haviam montado, mas eu o ignorei. Eu sentia meu corpo quente como se eu estivesse queimada de sol. Ouvimos os gritos de Julia pedindo socorro. Ela parecia desesperada e eu gritei por ela. Connor me olhou e eu apontei para sua antiga casa.
- Julia está lá. - gritei e ele me encarou, começando a se mover na direção da casa. Consegui fitar seus olhos violetas mesmo pela máscara. Eu conseguiria encontrar Connor instintivamente em qualquer lugar mesmo que estivesse vendada, só pela força da sua presença em mim. E eu balbuciei um "cuidado". Ele assentiu com a cabeça.
Ele derrubou a porta com as ferramentas e vi o clarão laranja o engolindo conforme ele entrava. Dean gritou para que ele esperasse e correu na direção da casa pelo gramado. Eles não podiam entrar sozinhos e Con estava quebrando o protocolo. Edgar gritou pros dois voltarem, mas foi inútil.
Antes que Dean pudesse chegar até a porta eu vi o fogo se intensificar e o barulho da explosão foi ensurdecedor. A onda de calor e choque jogou Dean para trás e eu estava tão perto que senti meu corpo ser jogado junto com vários escombros para a grama.
Apertei os olhos, sentindo a cabeça girar em tontura e os ouvidos zumbirem com um barulho que ecoava dentro da minha cabeça. Me mexi devagar no chão, o impacto foi tão grande que meus pulmões doeram para puxar o ar. Quando me levantei alguns paramédicos corriam pelo gramado na direção de Dean, e um deles me levantou. Eu olhei ao redor, voltando a entender o que tinha acabado de acontecer.
Minha cabeça me mandava não olhar para a casa e alguma coisa dentro de mim dizia que aquele seria o pior dia da minha vida. Corri na direção das chamas ainda surda pela explosão e Nolan me segurou. O grito que saiu de mim misturava desespero e a dor mais aguda que eu já tinha sentido esmagando meu peito.
Eu teria entrado nas chamas seguindo Connor caso não tivesse sido segurada. Nem as queimaduras e lesões que eu tinha na pele doíam tanto quanto a certeza que eu não teria mais o sorriso de Con para curar minha alma. Meu desespero foi absoluto. Vi Dean se levantando e empurrando os paramédicos que o assistiam. Ele entrou correndo pelo mesmo caminho onde Connor entrara segundos antes, mas já não havia porta.
A última coisa que eu me lembro foi cair de joelhos na grama, completamente desnorteada e sem ar quando vi Dean sair do meio do fogo carregando Julia para fora.

Eu demorei para encontrar sentido em tudo que aconteceu comigo. Em um mesmo ano eu perdi o amor duas vezes. Eu poderia perder o que eu sentia por Dean uma vida inteira repetidamente. Seria doloroso. Mas perder Connor foi enlouquecedor. Por muito tempo eu sonhei com ele, sentindo sua presença.
Eu morri um pouco junto com ele e por muito tempo apenas sobrevivi, sem saber ao certo por que algo assim teria acontecido com a melhor pessoa que eu conheci na vida.
As tragédias pessoas geralmente fazem isso com a gente. Trazem uma gama sufocante de questionamentos que ficam no ar, sem respostas. E ao longo do tempo, conforme o coração se acalma, vamos colhendo pequenos fios de esperança que tecem o cobertor pra nossa alma.
Não tive mais contato com Dean, especialmente depois que me mudei pro Havaí. Depois de resolvidas todas as nossas pendências eu não consegui mais lidar com ele. Não por achar que ele teve qualquer culpa no que aconteceu. Ele também sofreu. Mas porque no ajuste que fiz na minha vida ele não tinha mais espaço.
Quando coloquei os pés na areia quentinha da praia Hapuna não consegui evitar de pensar em Connor e dar um breve sorriso. Olhei para o final da minha mão onde uma mãozinha pequena me apertou os dedos e um rostinho sorridente me acariciou o coração.
- Consegue dizer Hapuna, Owen? - perguntei vendo o garotinho olhar o mar divertidamente.
Ele era loiro e tinha exatamente o mesmo sorriso que seu pai. Não havia um dia da minha vida desde que ele nasceu que eu não sentisse Connor próximo a mim. Bem, ele e sua irmãzinha, Lori, que segurava a mão de Jullia. No dia em que eles nasceram eu também renasci, nosso encontro foi de almas. Assim como aconteceu comigo e com Connor. E desde então não houve só um dia em que eu me permitisse ser triste.
Julia olhou para o mar, sem fôlego pela beleza do lugar. Olhei para Lori, que também apontava o mar, com os olhos violetas vívidos, curiosos e brilhantes. Os dois se soltaram impacientemente de nós e correram em direção à água.
Passei a mão pela cicatriz de queimadura no braço de Julia, como fazia com a cicatriz no ombro de Connor e segurei sua mão antes de corrermos atrás dos dois pequeninos. A vida não era como eu esperava, nem como eu planejei. Mas era boa exatamente assim: eu, Julia, Owen e Lori.

Nós 4.

Os 4Onde histórias criam vida. Descubra agora