II. Vida

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— Como é estar morto? — Therasia pergunta, enquanto tenta andar pelo tapete de neve sobre um chão que poderia ter sido grama uma vez. Eu não consigo imaginar por que está sendo tão difícil para ela caminhar por ali. Se eu me lembrasse de minha vida, talvez pudesse entender.

— É como não estar vivo. — É minha resposta, mesmo não fazendo ideia de como é estar vivo. O pensamento me faz parecer antigo, mas eu também não sei há quanto tempo deixei meu corpo, então tanto faz a forma como digo as coisas.

— Seja mais específico — exige, franzindo o cenho.

— Em que sentido?

— Em todos! — Ela parece gostar de respostas rápidas.

— Bem, eu não sei o que significa frio ou calor. Eu não lembro desse tipo de sensação. Eu não me lembro de muita coisa, na verdade. — Penso por um instante. — Fico sempre imaginando como é inalar ar o tempo todo ou a necessidade de jogar comida em seu estômago periodicamente. Não sei o que acontece quando vocês dormem ou por que gritam quando se machucam. Eu não sei o que é dor.

Ela desafunda um de seus pés da neve e pula na ponte à frente, quase escorregando na camada de gelo que cobre a madeira. Rapidamente, usa o guarda-corpo para se equilibrar. O riacho abaixo da ponte está mais ou menos congelado: há gelo, mas a água ainda corre por ali.

— E como é estar vivo? — pergunto. — Como é estar sempre se cuidando para manter o coração batendo?

— Por que diz isso? — diz parando na metade da ponte, encarando-me. Acho que ela está tentando entender minha dificuldade em imaginar a vida. Eu penso que ela faz o mesmo quando falo da morte.

— Há tantas doenças e acidentes que podem ocorrer. Admira-me muitos de vocês conseguirem viver por tantos anos. — Ela apenas franze o cenho para mim. — Baseio-me em minha experiência. Eu acho que morri antes de sair da escola. Foi algo curto.

— Ah. — Continua a caminhar. — Vida. Acho que não sei defini-la. É respirar, sentir, sofrer. Muitas pessoas desejariam estar no seu lugar, você sabe.

— Não, não sei. Por quê?

— Elas simplesmente não aguentam mais viver. — Ela deixa a ponte e começa sua caminhada dificultada pela neve. — Sofrem demais e acabar com a vida parece a única alternativa. E tem aquelas que acham que tudo está indo bem até esse "tudo" desabar. Ah, e claro, não vamos esquecer dos que estão sempre felizes. Eles, na maioria das vezes, são os mais irritantes.

— Morrer não parece maravilhoso para mim. — Pondero por um segundo. — É confuso, não bom ou aliviante.

Confuso, mas eu queria estar em seu lugar.

— Por quê? — pergunto.

— O quê?

— Por que você quer morrer?

Ela faz silêncio, continua andando desajeitadamente pela neve até avistar uma casa semidestruída de pedra. Ela corre até o andar superior da casa por uma escada de pedra coberta por neve. Acredito que a casa fora feita para ser visitada, já que ali há uma proteção. O andar inferior faz falta de apenas uma parede, enquanto em cima não existem as duas maiores, assim como não há nenhum sinal de um telhado.

A cada suspiro dela, o ar que sai de sua boca se condensa. Eu queria poder fazer isso e ter veias com sangue quente (e ter veias também), ou, apenas me lembrar por que estou assim. Morrer é tão caótico para mim que parece que há algo errado. Não parece, existe sim algo de errado; algo errado e eu não faço ideia de como consertar.

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