— Everyday, it's a-gettin' closer — canta o pai de Therasia em algum lugar na garagem neste dia tedioso. — Goin' faster than a roller coaster.
Graças a Therasia, agora não temos apenas meu nome e datas, mas também meu endereço (ou seria "ex-endereço", já que resido num cemitério agora?). Therasia North pode ser uma pessoa de moral duvidosa e uma indiferença um tanto randômica, contudo, não posso negar sua mente ardilosa. Ela levou quase nada para encontrar várias coisas sobre mim, incluindo a escola em que eu estudava. Se eu estivesse vivo, teria ficado assustado com o número de coisas que se pode obter apenas por conta dos pequenos detalhes que ninguém liga.
Por mim, já poderíamos estar na frente de minha antiga casa apertando a campainha; poderíamos se Therasia não tivesse me repreendido com esse negócio de "bom senso". Ela também disse que, se queríamos ter uma chance maior de encontrar alguém em casa, deveríamos ir durante o fim de semana ou coisa do gênero. Em suma, tenho de esperar até sábado para estar finalmente lá.
Em recompensa de tudo o que Therasia tem me feito, decidi ajudá-la com o teste de Matemática na segunda-feira. Pelo que eu soube por aí, não é exatamente "certo" encorajar esse tipo de coisa, mas o fiz porque em vez de estudar, ela estava no cemitério comigo. Eu sei que isso ainda não é uma justificativa, já que houve outras oportunidades para ela revisar, entretanto, como já disse, foi uma recompensa. De qualquer forma, descobri que verdadeiramente Therasia não precisa de tanta assistência nessa matéria. Ela sabe fazer todos os cálculos, é só sua indolência que a desmotiva a tentar.
Segundo o laptop de Therasia, ainda estamos às dez horas e cinquenta e quatro de uma quarta-feira, e cada segundo parece levar milênios. Desde ontem minhas manhãs estão indo assim, intermináveis, porque prefiro ficar aqui a ir à escola. Após o teste na segunda, Therasia passou a me ignorar até em pensamentos e só quando estávamos voltando me explicou que falar sozinha e olhar para o nada não são algo bem visto pelos seus colegas. Decorrente disso, optei por ser ignorado de verdade pelo pai dela — que por alguma razão é a pessoa que mais passa o tempo em casa —, pois ele ao menos realmente não sabe de minha presença aqui.
Sr. North também não é uma companhia ruim de certa forma. O que me incomoda um pouco é o fato de ele gostar de ouvir suas músicas no último volume e constantemente estar cantarolando a letra dessas músicas errado. Uma pessoa bem entusiasmada em contraste a Therasia. Mas tudo isso ainda é tolerável.
Ultimamente, aliás, não tenho visto aquele outro fantasma. Não faço ideia do que lhe aconteceu, só sei que não sinto sua falta e não me importaria se não voltasse. Em todas as vezes que nos vimos, conversamos, e eu pessoalmente não quero isso no momento; prefiro ficar sozinho mesmo que durante a ausência de Therasia a incidência de pensamentos perturbadores aumente.
Eu não consigo imaginar o que pode acontecer. Posso me lembrar de tudo ou nada; talvez aconteça algo, talvez eu fique assim como estou para sempre. Não ter alguma certeza é o que me assusta, e às vezes eu só queria perder a consciência por um momento para evitar esse temor irracional. Como morto, penso que eu não deveria estar preocupado, mas não consigo evitar. O desconhecido apavora mesmo na morte.
***
A rotina continua até sábado de manhã. Nove da manhã, para ser mais preciso. Se já não estivesse morto, diria que a espera estava me matando. Já faz algum tempo que saímos de casa, mas não faço ideia de quanto tempo esta caminhada vá levar. Therasia garante que não é muito, e eu espero mesmo que ela esteja certa.
Depois do Rio Willamette, na Rua Morrison, há um gramado coberto de lápides. Mas se seguir adiante, você chega a este bairro, Sunnyside. Não sei se estamos mesmo no "lado enrolado" da cidade, já que está garoando como sempre, mas devo admitir que o lugar me trás uma sensação esquisita que não é exatamente "positiva". Não é familiaridade ao mesmo que tempo que não é estranhamento. Eu nem sei como explicar, mas afirmo que é diferente do sentimento que o rio me traz.
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Ensoul
ParanormalO que aconteceria se um dia você acordasse e não conseguisse se lembrar de nada? Se apenas uma pessoa pudesse ajudá-lo? Esta é a história de Ed, um garoto que poderia ser normal - poderia. Mas ser amnésico e invisível nunca esteve na definição de...