XIII. Notícia

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Como ontem o céu está nublado. Como ontem, antes de ontem e antes de antes de ontem. Mas diferente de todos esses outros dias, este domingo amanheceu junto de uma garoa. E precisou o sol nascer para eu me dar conta da chuva, já que não posso senti-la. No entanto, não é a ausência de um céu azul ou a falta de sensações que está me incomodando agora.

And I've never known a girl like you before — canta o pai de Therasia em algum lugar no andar de baixo, animado demais para tal hora da manhã. — Never, never, never, never. Never known a girl like you before.

Eu não sei o que me incomoda mais, seu sotaque britânico exageradamente forçado ou ele estar repetindo as mesmas frases há uns vinte minutos por não saber o resto da letra da música. Eu também poderia reclamar da voz nem um pouco agradável aos ouvidos, mas como eu não os tenho, está sendo suportável. Por outro lado, Therasia tem ouvidos e não se sente muito feliz por ser acordada às sete da manhã de um domingo pela cantoria ruim do pai.

Não acho que Therasia já vá se levantar e finalmente decidir o que vamos fazer hoje, então tudo o que me resta é ficar aqui, sozinho, como sempre. Mais ou menos. Talvez o outro fantasma possa aparecer. Talvez não. Desde a madrugada não o tenho visto, mas não sei se devo me importar. Às vezes tenho curiosidade sobre o que ele faz quando não está aqui, para onde ele vai, se ele chega a ir para longe dos "territórios" dele em algum momento. Isso não deveria ser relevante, mas aquela coisa de "de que você é feito" ainda me faz pensar, quero dizer, não necessariamente sobre isso, e sim tudo. Tudo tipo esta minha permanência aqui entre vivos. A morte supostamente não deveria ser algo como "descanso eterno"? O MEU descanso?

Eu ainda não me lembro de mais nada ou tenho ideia do que fazer. Várias vezes eu já me perguntei se vou ficar assim para sempre. E tem vezes que acho que já estou me cansando de tudo, pois os dias têm parecido só uma sucessão de dias iguais, embora eles nunca sejam. Não importa se é dia um, dois ou quinze; terça, quarta ou sexta-feira. Parece uma semana infinita. E em todos os dias dessa semana eu estou procurando por algo que eu nem sei o que é ou se vou encontrar (mesmo querendo muito).

Também não tenho tido nenhuma outra "lembrança". Realmente não sei como devo encarar isso, se é algo bom ou ruim, se o efeito colateral — que é "sumir" — é algo preocupante. Mas por que eu deveria me preocupar com alguma coisa, eu não estou morto?! Mortos só descansam em paz, como dizem as lápides. Gostaria mesmo de saber o que eu fiz para isso me acontecer.

Depois de um bom tempo me afundando em pensamentos infundados, percebo que a chuva cessou. Mais ou menos. Talvez haja ainda uma garoa fina demais para receber atenção. Não sei. Não importa. Tudo o que importa agora é que alguém acabou de tocar a campainha. E inicialmente eu não daria muita atenção a quem estivesse à porta, até porque ninguém estaria aqui para me visitar... a não ser que fosse um garoto que vê mortos e que eu já "conhecia".

Ontem Therasia negava a existência daquele garoto, hoje ele está aqui na porta de entrada falando com ela. A coisa mais engraçada é que agora ela não está nem um pouco confusa com a aparição repentina. É muito intrigante a situação de ontem, é quase como se fosse um acontecimento deslocado no tempo.

Therasia não convida o garoto para entrar, na verdade ela sai fechando a porta atrás de si como se o que tivessem a discutir fosse ultrassecreto. Não sou exatamente convocado a me juntar a eles, mas decido participar de qualquer forma. Mesmo não sabendo ainda por que o garoto está aqui, acho meio difícil que seja outro motivo diferente de mim.

— Olhe só o que encontrei — ele diz entregando algum tipo de jornal a Therasia. O maço de papéis não aparenta ser novo, mas também não muito velho, talvez seja do mês passado ou um pouco mais do que isso.

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