Mesmo na escuridão cegante — e seu silêncio perturbador —, não preciso de nenhum sentido para descobrir que estou no Laurelhurst Park. Simplesmente sei.
A brisa noturna balança suavemente as folhas das árvores a minha volta, e eu estremeço. Nunca vi o lugar tão vazio antes... ou escuro. O frio que eu sinto me traz à lembrança da grande nevasca do ano passado. Não costuma nevar muito na cidade, mas naquele dia havia muita neve, branco por todo lado! Tanta neve que as escolas fecharam. Recordo-me que naquela tarde George e eu viemos aqui andar de trenó, exatamente neste parque. E enquanto alguns chamavam aquilo de um "Nevascalipse", George era a pessoa mais empolgada da região. Acho que aquela foi a primeira vez em que ele não se incomodou em ter nascido em fevereiro. Essa memória me faz pensar como será este ano, seu aniversário é daqui a menos de um mês — quando ele finalmente será mais velho do que eu.
Depois de um tempo passando os olhos pela noite, por entre árvores, enxergo a claridade dos postes que ladeiam a pista de caminhada. Deixando as lembranças da nevasca para trás, sigo na direção da luz sem nem pensar sobre — como se soubesse exatamente o que fazer mesmo não sabendo. Em pouco tempo chego à pista de caminhada. Daqui é possível ver o lago, defronte dele há um banco ocupado por alguém e eu não hesito em me aproximar e sentar ao lado da pessoa no banco.
— As coisas não vão muito bem sem você — George diz sem sequer olhar para mim. — Só funciona com todas as peças.
Depois de alguns dias pensando em como chegar a George sem o intermédio de um vivo, acabei escorregando no sonho de alguém e me lembrei de que existe sim a possibilidade de eu falar com outras pessoas além de Therasia. Os sonhos delas, essa era a simples resposta. Elas podem me ver neles e interagirmos. E assim decidi que hoje falaria com George e tentaria resolver tudo de uma vez.
— E como têm ido as coisas? — pergunto, olhando para o mesmo ponto que ele: o lago escuro. De fato, não enxergo muito além do reflexo dos postes nas pequenas ondulações, mas sei que está lá.
— A boa notícia é que eu não preciso mais dos suplementos — diz levantando a camiseta até as costelas, como se eu pudesse enxergar alguma coisa no escuro.
— É, soa como uma boa notícia. E o que mais?
Por um momento penso que ele não ouviu minha pergunta, e quando tenciono repetir, dispara:
— Não somos como antes, sabe? Parece que tudo, tudo mudou do nada. Não como quando cada um acabou basicamente numa escola diferente. Você no colégio do cemitério, eu no Centro com os outros, Sasha na Benson... Tipo, eu tenho andando mais com o Andie, mas ele também tem outros amigos. E Kyle é legal — ÀS VEZES —, só que ele prefere ficar sempre em casa. E eu também odeio me encontrar com mãe dele, que parece sempre estar lá. E Sasha aparentemente agora é legal demais para andar com quem não seja formando. E tudo o que me resta é Zoe, mas ela passa bastante tempo com a chata da Mariam. E nós também nunca ficamos todos juntos. Nunca! — Depois de um meio minuto quieto, retoma: — É esquisito se sentir como uma sobra. Ou talvez todo mundo só me odeie... É como se eu tivesse amigos ao mesmo tempo que não... Eu nunca tinha previsto isso... Claro que não previ. Droga, a morte é tão óbvia e eu não previ!
— E quem fica pensando nisso? Esperando?
— Mas é diferente. Como você mesmo disse uma vez, eu sou um "previdente". Eu deveria. — E então se cala mergulhando nos próprios pensamentos mais uma vez, como se tivesse se esquecido da minha presença.
Depois de um momento de silêncio, resolvo me manifestar.
— Por que você não fala mais sobre mim?
Mais silêncio. Pergunto-me se minha pergunta foi clara. A falta de palavras me deixa um pouco impaciente. Conseguir alguma coisa de George nunca foi tão difícil como agora. Queria poder ler pensamentos aqui também.
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Ensoul
ParanormalO que aconteceria se um dia você acordasse e não conseguisse se lembrar de nada? Se apenas uma pessoa pudesse ajudá-lo? Esta é a história de Ed, um garoto que poderia ser normal - poderia. Mas ser amnésico e invisível nunca esteve na definição de...