Capítulo Sete

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"Meu coração falta uma Peça ... Por falar em peça você sempre atuou bem. Meu coração falta uma peça e Nessa sua peça eu fiz papel de refém"
- Hungria

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O conceito de desmoronamento era Claro para Haiza no momento. O som da festa parecia abafado, as pessoas tinham sumido, o mundo se resumiu ao buraco em que caía.

Estava Parada encarando os olhos pesarosos de Rashad e o cinismo no rosto de sua mãe e sua... Noiva.

A palavra causava um amargo na boca e um aperto dorido no peito. Nunca fora o tipo de pessoa que guardava ressentimentos, parecia tolo e infantil perder tempo se decepcionando com as pessoas.

Mas desta vez era diferente, o vazio que sentia parecia que a engoliria, a decepção doía e a raiva de si mesma por sempre levar fé nos outros. O sangue parecia escorrer como água nas veias, a sensação de humilhação cada vez mais latente. 

Sua mente correu em um flash por todos o poucos momentos que passou ao lado de Rashad, os sorrisos, a gentileza, os olhares profundos e as vezes confuso, as conversas íntimas, o apoio e incentivo, a sinceridade... sinceridade? Haiza quase foi capaz de rir em meio a dor. 

A sinceridade que Rashad lhe ofereceu agora a machucava e deixava marcas. O pouco de dignidade e amor próprio que restou, juntou-se em uma muralha no seu peito e a fez se afastar dali ereta e sem derramar um  lágrima.

Caminhou até achar que estava segura, fora das vistas de uma sociedade incriminadora. Quando achou que estava a salvo de qualquer olhar que a pudesse julgar, não conteve mais seu impulso e começou a correr, limpando uma única lágrima que ousou escapar.

Correu para longe sem saber ao certo por onde ia, apenas precisava sair dali. Precisava respirar e fugir daquele ambiente negro carregado de falsidade e recriminação.

Parou quando achou que estava livre para chorar em paz, as lágrimas de dor encheram seus olhos, porém Haiza se recusou a derramá-las.

Dor, raiva, arrependimento, mágoa, frustração era tudo uma bola agoniante em seu peito. Por tantas vezes recusou o convite de seu irmão para morar fora do país, por achar estar segura ali. O tradicionalismo que ainda movia o Egito mantinha uma margem de segurança, tudo tinha limite. 

O choque de realidade a atingiu com força,  esse limite tinha acabado de ser transpassado, tinha entregado sua inocência a um desconhecido na qual confiou cegamente. E o que o destino a reservaria agora, seria mais vergonha. Os tradicionalistas não iriam receber sua mão em nenhum casamento sem sua pureza, nem o mais simples. Seria a decepção de sua mãe e da senhora Hamadi, que lhe era como uma segunda mãe. 

Erguendo os olhos para o alto inspirou fundo, esperando que tal gesto lhe trouxesse as forças que precisava. Estava no pátio lateral ao grande prédio, tudo estava vazio, escuro e silencioso... assim como seu coração.

Uma mão quente tocou em seu ombro de leve e Haiza estremeceu, as páginas de suas estórias contavam que o príncipe sempre corria atrás da mocinha depois de uma grande tragédia. Mas não estava preparada para lidar com Rashad naquele momento, quando seu peito ainda sangrava e seu cheiro ainda empregnava a sua pele.

Então sentiu seu ombro ser circulado e um braço delicado e pequeno a envolveu.

- Eu estou aqui quando quiser conversar... - a voz de Ísis cortou o silencio noturno.

Desta vez o príncipe não alcançou a donzela.

Um espaço oco crescia dentro do peito  e Haiza só queria se livrar daquela agonia.

- Ísis... - apenas conseguiu suplicar o nome da amiga.

- Shhh... se acalme e depois me conte, tudo bem? 

Sentaram- se em um banco isolado ali por perto. Haiza se recompôs e passou a contar para amiga sobre os encontros anteriores com Rashad.

- E hoje nos encontramos novamente.
Ele não gostou de me ver dançando com um amigo, me tirou da pista e levou- me até uma sala. Ele disse que gostava de mim e eu... Eu.. me ... Eu me entreguei a ele.

Apesar do choque Ísis permaneceu em silêncio o rosto num semblante compenetrado.

- Não posso culpa-lo de todo. Eu quis me entregar, estava tão cansada de esperar até que algo acontecesse... e eu sei que não tenho o que preciso para um casamento arranjado. Eu teria que esperar alguém gostar de mim apenas por mim, sabemos que não é assim que acontece! Eu só cansei de esperar, esperar que alguém gostasse... Ele parecia gostar...

Ísis podia sentir a necessidade de Haiza em colocar tudo aquilo para fora. Não sabia o quanto o amor, ou a falta dele, machucava a amiga. Ela sempre estava perdida entre seus livros e suspirava esperançosa. Às vezes até caçoava da amiga que sonhava com casamento por amor num lugar onde os mesmos só Ocorriam por poder.

Aqueles que não tinham influência, casavam entre si por famílias conhecidas de longa data e de confiança.

A família de Haiza era apenas a mãe que não saía da cozinha e empurrava a filha para aquele cerco de lobos que era a alta sociedade que nos cercava. A mesma sociedade que não a olharia como possível noiva, mas como a menina que acompanhava os patrões.

Naquele momento Ísis queria poder fazer mais por sua amiga, quis piuder apagar qualquer hipocrisia e limitação que a impedia de ser feliz.

- Está arrependida de ter entregado sua inocência? - perguntou.

- Não. Eu quis também... Acontece que ele está prometido Ísis. Ele é noivo e eu só soube depois... Se eu soubesse antes, não teria.. Eu não teria.

A Raiva que sentiu era pulsante, mas Isis preferiu ficar em silêncio, não queria causar mas dor a amiga falando o quão cafajeste foi o homem que a usou. Ajudou- a até se sentir melhor para entrar novamente no salão e logo partirão.


Na manhã seguinte Ainda bem cedo Isis foi ao quarto de Haiza, a amiga se encontrava sentada na cama, já havia tomado banho e tinha se arrumado.

- Como está? - perguntou se aproximando.

- Estou bem. -
Ísis olhou em seus olhos, ela estava melhor que ontem, mas não estava bem. - eu decide que vou embora.

- Embora?

- Sim. Hashid vive me chamando para ir morar com ele, eu sempre tive medo de um mundo que não vivesse com nossos limites e costumes, mas aqui já não tem mais nada pra mim. Eu não quero olhar nos olhos de minha mãe e ver o quanto ela deseja um casamento pra mim que eu nunca poderei lhe dar. Não quero decepcionar nossas mães Ísis. Me ajuda?

Ísis permaneceu queita por um tempo medindo as palavras da amiga. Fugir não era solução, mas ela não podia permanecer ali a espera de algo que não aconteceria. Era preciso recomeçar de um ponto onde o casamento não era o objetivo principal.

Haiza tinha qualificação, poderia evoluir e talvez voltar como uma profissional. Teria estabilidade e a  Independência necessária.

- Talvez não seja a melhor ideia, mas é uma boa solução. Na França você pode lutar pelo seu espaço. E quando voltar ninguém pode questionar. Tens certeza de que é o que quer?

- Sim. Comprei uma passagem durante a madrugada. Liguei para Hashid hoje cedo, só preciso que me ajude a não deixar minha mãe preocupada com minha ida repentina. Vou pra casa buscar algumas coisas antes de ir ao aeroporto e conversar com ela.

- Tudo bem pode deixar, eu irei lhe dar apoio, tanto com Zaara quanto com minha mãe.

As duas se abraçaram, Ísis estava contente em poder ajudar a amiga ao menos um pouco, seria bom pra ela conhecer o mundo além do Egito.

Haiza estava temerosa, porém sabia que precisava começar um novo capítulo em sua vida. Não pretendia deixar suas raízes para sempre, mas queria fazer da França seu novo começo.

HaizaOnde histórias criam vida. Descubra agora