Capítulo 25

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Só depois de desligar e enviar o endereço, eu percebi que não estava
vestida para me encontrar com alguém. Não que fosse um encontro. Mas era uma situação do tipo “estou a fim dessa garota e quero que ela goste de mim, em vez de sentir pena, por isso não devia aparecer vestida com calça de ginástica e regata e sem nenhuma maquiagem”. Mas eu já tinha marcado. Ou ela me via assim, ou eu desmarcava.

Eu não queria cancelar. Não tinha importância, de qualquer forma. Ela
viu o filme do meu irmão, e nele eu parecia, além de burra e superficial,
horrível. E me preocupar com o fato de ela ter me visto horrível, além de
burra e superficial, talvez me tornasse ainda mais burra e superficial, e era
assim que eu me sentia. Mas eu queria muito vê-la, então deixei tudo isso de lado. Meu dia estava péssimo, e pensar em vê-la era o único destaque até agora.

Estava frio na sorveteria. Eu queria saber se tinham que manter a
temperatura baixa por causa do sorvete ou se era só a preferência dos
funcionários. Como consumidora, eu preferia um pouco de calor. Sempre
ia parar nas mesas de metal do lado de fora.
Dei uma olhada em todos os sabores novamente enquanto esperava a
Lauren, sem saber se devia pedir ou continuar esperando.
Vai pedir agora? — perguntou o funcionário atrás do balcão.
Estou esperando uma pessoa — respondi novamente.
Acho que estudamos no mesmo colégio. Seu nome não é Camila?

Olhei para ele. Mais uma pessoa que eu não conhecia. Estar na liderança
do conselho estudantil significava que muitas pessoas sabiam o meu nome
sem que eu soubesse o delas, mas, ultimamente, isso me incomodava
muito.
A gente se conhece?
— Não.
— Que bom — falei com um suspiro, depois percebi que impressão isso
dava. — Não que eu não quisesse te conhecer. Só pensei que tinha esquecido o seu nome.
Ele apontou para o crachá com o nome Blake.
Ah. Certo. Eu só quis dizer que pensei que devia saber o seu nome
sem olhar e... Deixa para lá.
— Vai pedir?
Ergui as sobrancelhas. Eu estava pegando o hábito da Lauren?
Ah, é. Você está esperando alguém.

Por que ele falava como se não
acreditasse em mim? Eu não estava esperando havia muito tempo, estava?  Olhei para o celular.
Estava ali havia quinze minutos. Talvez Lauren tivesse mudado de ideia.
Vou esperar lá fora... É o que eu teria dito alguns dias atrás.
Vi a linha de confusão se formar entre os seus olhos.
Então... — Olhei de novo para o crachá. — Blake. Está no último ano?
— Sim.
Eu assenti.
Qual é a sua história?
— O quê?
— O que você gosta de fazer? Pratica esportes?
— Eu corro.
Legal.

A porta se abriu, uma campainha soou, e eu me virei com um suspiro
aliviado. Lauren sorriu para mim. Ela estava usando os óculos dos quais eu
quase havia esquecido. Ficava fofa com eles. Como eu pude pensar que
garotas de óculos não faziam meu tipo? Eu tinha a sensação de que qualquer coisa que Lauren usasse seria meu tipo.
Oi.
Ela nem olhou para minha roupa, como eu imaginei que faria. Só se
aproximou, parou do meu lado e olhou os sabores.
Quais são os melhores? — perguntou ao Blake.
Não sei. Não gosto muito de sorvete.
— Quê? — Lauren reagiu incrédula. — Como um cara que não gosta de sorvete trabalha em uma sorveteria?
Meus pais são os donos.
— Ah, faz sentido. Há quanto tempo eles têm a sorveteria?
— Vinte anos.
— Você cresceu aqui, então?
Blake apontou para o chão.
Sim, cresci aqui.
— Criado com sorvete. Entendo por que você não gosta muito.
Blake riu.
Eu odeio sorvete.

E é assim que você descobre a história de alguém, pensei. Como ela fazia
isso com tanta naturalidade?
Lauren sorriu para mim.
O que vai querer?
— Hum... Pensei em rocky road, mas não gosto muito de castanha.
— Blake, a Camila gosta do sabor da castanha, mas implica com a textura.
Você pode tirar todas da massa?
Dei uma cotovelada nela.
Na verdade, também não gosto do sabor.
— Então por que estava pensando em rocky road?
Dei de ombros.
Não sei. Gosto tanto das outras coisas que acabo relevando a
castanha.
— Camila, você é estranha.
— Obrigada. O que vai pedir?

— Queria baunilha, mas aí pensei: “Baunilha é sem graça. A Camila vai
pensar que sou a pessoa mais sem graça do mundo”.
— É verdade.
— Daí, pensei: “Vou deixar o Blake escolher por mim”, mas ele também
não ajudou. Muito obrigado, Blake.
— De nada.
— Agora acho que morango é a minha única opção. — Ela assentiu para  Blake uma vez. — Deste tamanho. — E apontou para o copo médio antes
de olhar para mim. — Você continua olhando para o rocky road. Por quê?
— Não sei. Parece muito bom, eu me convenço de que vou gostar dessa
vez, mas não gosto. Nunca.
— Vou te salvar, então. Você não pode pedir rocky road. Qualquer outra coisa... menos baunilha, porque é sem graça. Quem pede baunilha? Não sei por que ainda oferecem.
Eu sorri.
Na verdade, é o sabor mais pedido — Blake contou enquanto servia uma bola de sorvete de morango em um copo.

Bom, agora me sinto validada. Devia ter pedido baunilha.
Fiquei tensa com a escolha de palavras. Aprovação. A coisa na qual,
aparentemente, eu era viciada. Talvez eu devesse perguntar no Twitter que
sabor de sorvete pedir.
Quero o de caramelo crocante — falei antes de começar a sentir pena
de mim. — Mesmo tamanho.
Cada uma pagou seu sorvete, e nós trocamos o frio por uma mesa de
metal do lado de fora. Ela sentou e levantou imediatamente, tirando do
bolso da calça alguma coisa que jogou em cima da mesa, um livreto que
havia sido dobrado ao meio e agora se desdobrava lentamente.
Você disse que passaria as falas comigo. Eu não estava brincando.
Preciso ensaiar. Vou apresentar a cena amanhã.
— Ah, é claro. — Peguei o roteiro, mas meus olhos continuavam fixos nela.

Que é? — ela perguntou. — Está olhando para o meu cabelo como se
quisesse pegar seu frasquinho de gel e me pentear pela terceira vez.
Eu sorri. Não estava pensando nisso. O cabelo era ela, e eu havia aprendido a gostar.
Não. Eu gosto do seu cabelo. E dos óculos também, aliás. Fica fofa.
Ela os empurrou para cima no nariz.
Senti os olhos cansados depois da viagem de ontem.
— Desculpa.
— Não, por favor. Eu queria ir.
Assenti e li o título da peça.
Um estranho casal. Não é aquela história de uma pessoa muito bagunceira com a outra neurótica por arrumação?
— Sim.
— E você é qual?
— A bagunçada. — E olhou para o livreto nas minhas mãos. — Ah,
quer saber na peça? Sou a louca por organização.

— Espera. A bagunça é na vida real?
— É, não dá para notar?
— Você parece organizada.
— Eu sou bem limpinha. A bagunça é de outro tipo.
— Como assim?
— A coisa é mais ampla do que temos tempo para discutir. — E apontou
para o roteiro. — Segundo ato, cena um.
— Bom, se você é uma bagunça, eu sou um desastre natural.
— O mais lindo que já vi.
Meu rosto ficou quente.
Tudo bem. Segundo ato, cena um.

Namorada De Aluguel Onde histórias criam vida. Descubra agora