CAPÍTULO VINTE SETE

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"Diana." Meu pai chamou assim que entrei em casa me assustando. Ele estava lendo jornal na sala e só pelo seu olhar senti que devia me aproximar.

"Como foi a aula hoje?" Ele nunca perguntava esse tipo de coisa. Meu pai era um estrategista, não existia conversa afiada com ele.

"Normal." Não conseguia encara-lo do mesmo jeito. Ele sabia de tudo. Era desesperador.

"Fico feliz que esteja descobrindo coisas novas." Códigos. Sidney Laurence falava por códigos. E eu que tanto queria fazer parte do jogo sempre estive enfiada nele, era uma peça articulada pelo meu pai parar ser deixada de lado o máximo possível. Meu pai comandava toda a rede de tráfico na cidade, via aquilo e financiava. Era o crime que regia toda a campanha política e que fazia com que eu tivesse a vida que tenho. Eramos criminosos. Tomar plena consciência disso era assustador, me fazia querer gritar e tomar um bom banho esperando que toda aquela sujeira descesse pelo ralo.

"Não esqueça de ajudar sua mãe no baile. Você sabe o quão preocupada ela fica." Disse quando dei as costas para subir para meu quarto.

"O problema é a decoração ou a sobremesa?" Perguntei direcionando meu olhar pelo ombro apenas parar ver meu pai voltando sua atenção para o jornal.

"Os dois." Sorri, era engraçado que as preocupações da minha família fossem resumidas ao baile da primavera. Enquanto minha cabeça questionava toda a minha realidade, tomei a decisão de deitar um pouco ao lado de Bambi na cama e me transportar para um lugar diferente. Gosto de dormir porque por um tempo consigo fugir, desaparecer. Talvez assim nos meus sonhos eu pudesse ficar com Daniel sem tantos problemas e todos os meus amigos se sentissem seguros. Talvez nos meus sonhos eu conseguisse algum tipo de final feliz.

Uma semana para o baile e eu não havia trocado uma palavra com Daniel. Era torturante vê-lo passando pelos corredores e não poder chegar perto. Não sentir sua mão tocando minha cintura ou apenas ouvir sua voz me provocando. Havia passado a semana com Hanna, Lili e Bryan. Sentia falta de andar com eles, me fazia bem lembrar da antiga Diana. Bryan ainda estava se acostumado a ideia de ver Hanna grávida a alguns meses e saber que o filho jamais poderia ser dele. Acho que em algum ponto eu podia ver em seu rosto que ele estava aliviado por não ter que lidar com aquele problema. Lili apoiou fortemente Hanna assim como eu e nós passamos a semana nos questionando como seria contar pros pais dela.

Na quarta feira ela me chamou para ir na sua casa contar. No final das contas nem precisei falar nada, minha melhor amiga acabou soltando a bomba no meio do jantar e tudo virou um caos. Sua mãe ficou desesperada e o pai gritou tanto. Por fim, eles queriam conhecer o pai e essa foi a pior parte. Senti que se não estivesse com Hanna naquele momento provavelmente as coisas ficaram bem mais feias. Os dois ficaram com tanta raiva e tão decepcionados quando Hanna disse que havia sido com algum garoto numa festa, ela decidiu não entregar o diretor porque aquilo tornaria proporções gigantesca e ele mesmo havia prometido dar uma ajuda financeira para ajudar na criação do filho, eu não concordei com nada daquilo mas era Hanna quem devia fazer o que era melhor para ela e o seu bebê. Por fim, no dia seguinte quando as coisas acalmaram, eles conversaram civilizadamente e eu pude ouvir o senhor Montez chorando. A vida realmente é bem mais difícil do que imaginamos mas fiquei feliz de ver que mesmo com toda a raiva e decepção os pais dela não mencionaram uma vez a possibilidade dela abortar, não sei se por conta da religião forte da mãe ou da incisiva afirmativa de Hanna em dizer que não faria. Mas o furacão acabou passando e as coisas pareciam voltar aos trilhos. Pelo menos para a minha melhor amiga.

Ainda me sentia perdida sobre o que faria do meu futuro. Como me sentia em relação a toda a verdade sobre a minha vida. Não conseguia processar tudo aquilo tranquilamente, eu precisava dele mas sabia que tínhamos que ter esse tempo mas estava odiando não saber o quanto aquilo iria durar. A semana foi torturante mas finalmente o sábado havia chegado. Era o dia do baile.

O cheiro das flores que entravam no grande salão me trazia uma energia boa. Talvez a primavera fosse minha estação do ano favorita, ver tudo florecer novamente me trazia esperança.

Nem dava pra acreditar que o local onde eu jantava todas as noites estava daquele jeito deslumbrante. Minha mãe havia se superado esse ano, mas também não é pra tanto, com as eleições chegando precisavamos impressionar. Já havia perdido as contas de quantas vezes havia recebido ordens para me arrumar logo para o baile mas era apenas meio dia! Gostava de ver todos os preparativos antes de praticamente a cidade toda invadir minha casa. Era legal poder estar por trás dos bastidores, era bem mais confortável do que estar lidando com tráfico de drogas. Será que eu estava destinada a ser a mesma garota fútil que fui por toda a minha vida? Não era sequer justo eu me sentir mal pela vida que tinha ao ver de perto a realidade de outras pessoas. Mas ao lembrar de Daniel e da saudade que eu tinha dele me senti a pior pessoa do mundo ao estar me divertindo escolhendo os doces da festa.
Ele nunca entraria pela porta para me acompanhar no baile, dançar comigo uma valsa e conversar com meus pais. Dizer que toda a cidade entraria na minha casa é uma grande mentira, só um grupo limitado de pessoas tão priviligiadas quanto eu entraria e eu me sentia mal com aquilo. Não entendia se a revolta que eu sentia era algo positivo ou apenas frustrante.

Enquanto Beth arrumava meus cabelos eu obversavava o vestido florido que cobria meu corpo.

"Ele vem hoje?" Beth perguntando terminando de fazer o penteado lateral no meus fios.

"Ele quem?"

"O garoto que está apaixonada." minha expressão de susto me denunciou.

"Como...." nem conseguia formar frase direito. Era raros os momentos em que não pensava em Daniel e esse estava sendo um deles, mas até quando eu tentava fugir dele algo me puxava de volta a sua presença constante.

"Lhe conheço desde bebê, Diana. E reconheço uma mulher apaixonada a mais tempo ainda." Sorri sem graça olhando minha governanta pelo espelho.

"Ele não vem." respondi sua pergunta tentando me conformar.

"É uma pena, minha querida. Mas creio que ficarão se assim for pra acontecer." dei de ombros sentindo que se falasse sobre isso iria chorar.

"Só não se esqueça que se for ele quem realmente lhe faz feliz e ama como é, lute. Lute por isso, Di. É raro achar pessoas especiais o bastante para nos amar verdadeiramente como somos." Encarei os olhos de Beth ouvindo bem suas palavras. "Não importa os obstáculos, lute por isso. E tenha consciência que mesmo jovem, você faz suas próprias escolhas, não se decepcione." Assenti abraçando minha mãe de criação e sentindo todos os meus sentimentos serem condensados em longas lágrimas que caiam pelo meu rosto.

"Ah! E antes que me esqueça, seu pai deixou para você." Então antes de sair do quarto Beth me deixou sozinha com uma grande caixa branca.

Abrindo a caixa encontrei um cartão e um vestido.

Tenho que aceitar que minha menina está virando uma mulher. Suas escolhas guiaram seu caminho e seria um estúpido por privar isso de você, mesmo querendo. Escolha com sabedoria, sei que tens isso de sobra.

Papai.

Não eram códigos, era sua caligrafía, seus sentimentos. Era curto mas o bastante. Então apenas com o olhar intrigante do cachorro Bambi sobre mim eu fiz minha escolha.

A cada paço que eu dava as pessoas olhavam na minha direção mas agora era diferente, porque eu estava diferente. Pensava que uma escolha tão complexa não podia ser tomada tão rapidamente, mas a verdade é que a resposta esteve dentro de mim o tempo inteiro. Eu só precisava de um impulso para deixa-la em evidência.

"Diana!" minha mãe veio ao meu encontro me abraçando o sorriso tão falso quanto a minha disposição.


Nosso abraço pode ter aparentado ser carinhoso para quem olhasse de fora mas ainda comigo em seus braços minha mãe sussurou friamente no meu ouvido.

"Que vestido é esse? Achei que haviamos escolhido o florido."

"Chegou a primevera, mãe." Já longe do seus braços meu sorriso desafiou sua postura confiante. " É tempo de mudanças."

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