Capítulo Quatro

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| Inácio |

O despertador tocava, dizendo que eu deveria levantar, porque hoje começava mais um semestre.

Passei as mãos no rosto tentando espantar o sono. Essa noite havia sido péssima, assim como as outras.

Liguei a cafeteira, porque só ela seria capaz de me ajudar. Baleia me encarava com as orelhinhas abaixadas. Sorri e peguei um petisco no potinho em cima do balcão.

— Você foi uma boa garota ontem, não achei nenhum chinelo roído — Entreguei o petisco e ela o comeu rapidamente, lambendo o focinho logo em seguida.

Tomei um banho e me vesti. O café da manhã foi rápido e sem floreios. Enquanto mastigava uma torrada, Baleia choramingava pedindo um pedacinho qualquer, mas não dei.

Deixei comida e água fresca, para garantir que seu dia fosse agradável e entrei no meu carro.

Travei o carro no estacionamento da faculdade. Mais um semestre começava. Me dirigi para a sala e dei minha primeira aula sem problemas. Tudo indicava que seria mais um ano tranquilo, até o segundo tempo, quando coloquei meus olhos sobre ela.

Laura

Me lembro que o cara chamou ela assim na livraria para entregar o pedido. A menina que queria o mesmo livro que eu. A garota dos olhos expressivos e angelicais.

Eu nunca tive aquele tipo de olhar direcionado a mim antes e fiquei levemente desconfortável com aquela atenção.

Enquanto pagava pelo livro que ela tanto queria, vi ela se sentar com o seu café em uma mesinha nos fundos. Sem pensar muito no que fazia, me encaminhei até ela e coloquei na sua frente o livro que havia acabado de reler. De novo.

Ela me olhou surpresa e tentou recusar, mas não deixei. Fui embora com a certeza de que nunca mais a veria, mas olha como a vida é irônica. Ela será minha aluna pelos próximos meses. Isso não é bom.

Eu não costumo dar abertura para os alunos conversarem comigo, nada além da aula. Não estou aqui para fazer amizades. Busco apenas o salário no fim do mês. Mas eu tinha certeza que esse livro que dei a ela, iria criar margens para conversas que eu não queria ter.

Quando cheguei na lanchonete para comer alguma coisa, avistei ela de longe. Era como se um imã fizesse meus olhos achá-la, em qualquer ambiente que compartilhássemos.

Laura estava na mesa com dois homens. Ela parecia discutir com o loiro, enquanto o moreno olhava de cara feia para ele. Eu queria parar de olhar, mas aquilo prendeu totalmente a minha atenção. Por fim o loiro se levantou e foi embora, deixando os dois sentados sozinhos na mesa. O moreno parecia bastante tenso. Ela beijou seu rosto com extremo carinho e ele beijou a testa dela.

Ela tem namorado

Como se fosse atraída pelo meu olhar, seus olhos excepcionalmente azuis, focaram em mim. Ela acena, e eu a imito no automático. Os dois se levantam e ele a abraça nos ombros, levando os dois para longe dali.

Dei mais algumas aulas e recolhi minhas coisas, louco para ir para casa. Mas estaquei no estacionamento, quando ouvi ela falando sozinha, olhando para o céu.

— Sério isso, Deus? Tenho sido uma boa filha. A dezoito anos que tenho vontade de matar meu irmão e não faço isso porque temo o senhor. Isso não é justo, não é justo mesmo!

E, então, ela me vê.

Primeiro ela fica vermelha. O que não é difícil, já que sua pele é muito branca.

— Primeiro dia difícil? — Pergunto encarando seu rosto.

Ela está envergonhada.

— Acho que o senhor ouviu meu lamento, não é? — Assinto.

Querido ProfessorOnde histórias criam vida. Descubra agora