Quatro

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31 de dezembro de 2016

- Mãe, nós temos de ir para o hospital. – eu afirmo, bastante aflita e atarantada.

- O que se passa agora, Raquel? – a minha mãe pergunta-me, visivelmente confusa.

- O Santiago não para de vomitar desde manhã e está a arder em febre... Não podemos tê-lo em casa assim. – explico, com a voz trémula do nervosismo e da preocupação – Já mandei mensagem à médica dele a avisar que vamos para o IPO agora.

- Eu vou avisar o teu pai enquanto acabas de preparar o menino. – ela diz-me, agora também num tom preocupado, e eu assinto, enquanto acabo de meter as coisas do Santiago na mochila dele.

Ainda antes de sairmos de casa o Santiago volta a vomitar, o que me faz ter de voltar a trocá-lo de roupa e perder ainda mais tempo. Pelo caminho, felizmente, ele não vomita mas assim que o carro para o mesmo se repete. O meu pai entra pelo IPO dentro a toda a velocidade com o meu filho ao colo, sendo seguido pela minha mãe e por mim praticamente a correr atrás dele, com o coração nas mãos.

O primeiro rosto conhecido que vejo quando chegamos à zona do internamento pediátrico é a enfermeira Anabela e, sem saber bem o que fazer, eu corro até ela para lhe pedir ajuda.

- Anabela, eu não sei o que fazer. O Santiago passou o dia todo a vomitar e está cheio de febre... Não há maneira de o fazermos parar ou de lhe baixarmos a temperatura. – explico – Achei melhor não o levar às urgências porque ele deve estar com as defesas muito em baixo, por isso trouxe-o logo para aqui. E já avisei a Dra. Marta, pelo caminho.

- Deitem-no aqui, este quarto está livre, que eu vou chamá-la. – a enfermeira diz-nos, apontando para um quarto que está vago.

O meu pai deita o Santiago, que agora parece um pouco mais calmo. Os seus olhos estão fechados, talvez do cansaço e da febre, e o meu peito arde profundamente por vê-lo neste estado. Deus fez-me mãe para isto, para todo este sofrimento?

- Ana Raquel. – eu viro o meu olhar para a porta do quarto para encontrar a Dra. Marta a caminhar na minha direção – Como é que ele está?

- Agora mais calmo, mas continua cheio de febre. – digo.

- Vamos fazer-lhe as análises do costume, para ver como estão as defesas, e depois vamos dar-lhe soro com nutrientes para lhe darem mais força e com medicação para os vómitos. – ela explica – Que rica passagem de ano que vocês vão ter... - ela lamenta e eu apenas encolho os ombros.

- Só queria que 2017 começasse um pouco melhor. – eu suspiro, enquanto sinto os meus pais rodearem o meu corpo com os seus braços à medida que o meu filho é levado para fazer as análises.

Os quinze minutos que demora para fazerem as análises ao Santiago parecem infindáveis. A minha preocupação é tamanha que eu não sou capaz de me sentar por um pouco até ele regressar ao quarto, já com o soro ligado a si e a dormir.

- Nós demos-lhe um calmante e um antibiótico porque ele estava um pouco agitado e para ver se melhora a febre. Daqui a uma hora teremos os resultados das análises e saberemos melhor como agir. – a Dra. Marta informa-me – Mas têm de se preparar para passar aqui a noite, porque antes de amanhã ele não terá alta com toda a certeza.

- Obrigada, doutora. – eu tento sorrir em agradecimento, mas sei que falho redondamente.

- Quando tiver o resultado, eu volto aqui. – a médica afirma e eu assinto, vendo-a então abandonar o quarto.

- Nós também vamos a casa, porque deixámos tudo a meio e temos de avisar os teus tios. – o meu pai diz-me e eu assinto – Ficas bem? Queres que te tragamos alguma coisa?

- Apenas um casaco ou uma manta, algo quente. – peço e eles assentem, deixando-me então sozinha no quarto do hospital, a ver o meu filho descansar.

Quando estou, finalmente, sozinha, eu deixo que as lágrimas salgadas escorram pelas minhas bochechas, sem lhes pôr qualquer travão. Por vezes, chorar ajuda a aliviar a alma e o coração e, neste momento, tudo o que eu procuro é esse alívio, essa calma momentânea. Viver como se tivesse sempre uma bomba-relógio ao meu lado é tudo menos sossegado e tudo se torna pior quando sinto que essa bomba está prestes a explodir. O Santiago é a minha bomba-relógio e por mais que eu evite a explosão, eu sei que isso não depende de mim.

- Oh minha querida... - eu ouço o suspiro de uma voz doce, mas não levanto a cabeça das minhas mãos para olhar de onde vem aquela voz pois já sei tratar-se da enfermeira Anabela.

Sinto-a sentar-se ao meu lado, no pequeno sofá do quarto, e a passar os seus braços em torno dos meus ombros, puxando-me para assim de uma forma bastante maternal. Eu encolho-me nos seus braços, como se fosse uma criança, e deixo que os soluços escapem alto dos meus lábios.

- Isto é um pesadelo, Anabela... - eu suspiro, entre soluços.

- Eu sei, minha querida, mas tens de ser forte. – ela fala, usando a mesma frase que já ouvi tantas e tantas vezes – Eu sei que tu e o Santiago vão ultrapassar isto. Eu sinto cá dentro, Raquel. E, acredites ou não, eu rezo muito por vocês; Deus vai encarregar-se de cuidar de vocês.

- Neste momento, já nem à fé me consigo agarrar... - suspiro – Como é possível que uma criança tão pequena tenha de passar por isto? É que já nem é por mim... Mas ele não merecia sofrer desta maneira.

- Eu sei que é duro, mas ambas sabemos que o Santiago é um miúdo cheio de força, cheio de garra e de atitude. Isto é só uma fase má que, eventualmente, vai chegar ao fim. – Anabela continua o seu discurso motivacional, numa tentativa de me acalmar.

- Espero que sim, Anabela. – eu fecho os olhos, desejando mais uma vez que isto tudo não passe de um sonho muito, muito mau.

(...)

Depois de um jantar partilhado na ala pediátrica do IPO em que o Santiago mal comeu, a entrada no ano de 2017 é feita de forma calma e silenciosa. Já há muitas crianças a dormir e o Santiago – nem ninguém neste quarto – não está com vontade para grandes festejos. Trocamos alguns carinhos entre nós, agradecemos pela milésima vez à equipa que tem tomado conta do Santiago e vamos dormir muito pouco depois da meia-noite, esperando por uma noite calma e por um 2017 melhor que o ano que findou.

***

Parece que o pequeno Santiago voltou a piorar... E mais alguns tempos difíceis para a Raquel se avizinham. O que estão a achar da história, no geral? Gostava muito de saber a vossa opinião.

Acasos Felizes | André Silva ✔️Onde histórias criam vida. Descubra agora