03. Friends do lie

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— 21 de abril de 2018

Millie odiava velórios. Ela não via propósito em se vestir todo de preto e ajudar os amigos e familiares a chorar pela morte de alguém. Ela também não tinha certeza se via aquilo como uma celebração ou lamentação, mas, de qualquer forma, discordava. Da celebração por motivos óbvios, e da lamentação porque a prática ou ausência dessa não mudava o fato de que a pessoa estava morta.

Hanna Toddler estava morta.

Millie teve a oportunidade de um contato frequente com Hanna por mais de um ano. Ela conhecia Hanna. Ela podia listar filmes que a faziam chorar, e piadas que a faziam rir. Suas metas, suas vergonhas, seus medos. Seus segredos. Seus erros.

Não é fácil se despedir de algo que sempre esteve lá, algo a que já se está acostumado. Seja isso bom ou não. Faça isso bem ou não. Faça isso uma festa surpresa para você, ou te exponha na internet.

— Millie? — Noah a chamou de longe. Ela encarou o amigo por longos segundos. Pôde ver com clareza os olhos vermelhos dele, a luz refletindo neles de modo a fazerem-nos brilhar com as lágrimas.

Ela saiu correndo e o abraçou, pegando-o de surpresa. Noah cambaleou para trás, apoiando o pé para não cair, e retribuiu o abraço da amiga. Millie apertou os olhos, deixando o choro reprimido escorrer pelas bochechas.

— Millie... Millie, se acalma — Noah tentou, afastando-se quando ela começou uma sessão de soluços e fungadas, emitindo sons esquisitos.

— Ela morreu, Noah! — Millie brandiu, alto demais. Quase todos a olharam feio, mas ela não conseguiu se importar com isso. — Ela... Nunca vai saber o que eu sinto.

Noah a olhou confuso.

— Ela morreu achando que eu a odiava — Millie esclareceu. — Quando, na verdade, eu... Não a odeio. Nós duas tivemos as nossas brigas, e ela podia ser difícil de lidar às vezes, mas eu não queria isso, Noah, eu juro.

— Eu sei, Millie — ele a abraçou de novo. — Eu sei.

— Obrigada por terem vindo — era uma voz feminina que falava. Millie se virou na direção da garota, para se deparar com a meia-irmã de Hanna. Ela era tão loira quanto a outra, mas seus olhos se diferiam. Os de Hanna carregavam brilho e animação, e os de sua irmã carregavam um contraste de angústia e frieza. Mas Millie decidiu relevar isso, dadas as circunstâncias.

O dia posterior à morte de Hanna foi o dia do luto e da negação, e agora no terceiro dia ela já podia sentir uma nova fase chegando. Sabendo que havia um assassino entre eles, Millie passou a ver o meio em que estava inserida com outros olhos. Ela percebeu que podia contar nos dedos em quantas pessoas podia confiar, e algo a dizia que a meia-irmã de Hanna não era uma delas.

— Meus pêsames — Noah prestou, e a garota assentiu em agradecimento. Ela pediu licença e se retirou, e Millie a esperou se afastar para falar:

— Eu não gosto dela.

— Você também dizia que não gostava de Hanna — Noah apontou. Ela não se convenceu, mas ficou quieta dessa vez.

Sadie e Finn chegaram juntos. Sadie tinha os olhos inchados, e Finn tinha as mãos nos bolsos e a cabeça mantida baixa. Noah correu para abraçar Sadie, e Finn, depois de um pouco de relutância, também abraçou Millie. Ela acabou retribuindo, envolvendo-o com o braço.

murderville | stranger thingsOnde histórias criam vida. Descubra agora