Capítulo IX

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Nina

A primeira semana de trabalho foi tranquila. Aprendi muito mais sobre a empresa e sobre café.
Resolvi não contar sobre o problema barra experiência com o elevador para o Antony. De preocupada, já basta eu!
Hoje vamos ter uma reunião de equipe com a gerente de planejamento do grupo Coffee Corporation. Parece que de três em três meses tem essa reunião de equipe, diz o Antony que são ordens do chefe, fazem um relatório para ele. Como não tem tempo de participar de todas as reuniões, ele solicita relatórios trimestrais de todas as cafeterias. Confesso que estou um pouco nervosa, sem saber o que esperar.
- Relaxa Nina. Já te falei, é só uma reunião de rotina. Já já você se acostuma.
- Estou tentando, Antony. O que eu posso esperar dessa reunião? Você faz alguma ideia?
- Eles só querem saber se está tudo bem, se algo precisa ser melhorado ou modificado, se temos reclamações... Esse tipo de coisa. E como sempre eles pedem ideias de melhorias, se a sua ideia for boa, e fazer sucesso você ganha uma bonificação maravilhosa.
-Ok. Não vejo a hora de acabar logo com isso.
- Mas criatura, a reunião nem começou. Só começa as dez da manhã, o ruim é que a cafeteria sempre fecha até tudo ficar acertado e a reunião acabar. Pelo menos vamos poder almoçar juntos hoje, foi tanto trabalho essa semana que não tivemos muito tempo de conversar. O loft já esta vago e limpo, você se muda hoje mesmo?
- Claro! Por mim teria me mudando ontem, mas você e o Jean insistiram em fazer a faxina primeiro. Achei desnecessário contratar uma empresa pra limpar tudo, eu mesmo poderia ter feito.
- Nina, eu não ia contrariar meu Wagashi, pra depois ter que deitar e só dormir? Não mesmo!
Ele fala como se fosse algo muito sério, faz um drama que só ele. Muda até a voz, acho que Antony faria sucesso nas novelas brasileiras.
- Antony?
- Fala.
- Sobre as ideias de melhorias...
- hum..
- Acho que seria bacana ter pés de café por aqui...
- Como?
- Já tem de laranja, de limão, e outras flores também, é até meio ridículo não ter pezinhos de café também, afinal somos uma cafeteria. E também, lá no Brasil tem uma cafeteria que fez um self service de grãos, pra pessoa poder fazer o próprio blend, sem auxilio, e poder levar pra casa também... A embalagem poderia ser personalizada, e ir com o nome do cliente, ou com o nome que ele escolher... Não deve ser difícil fazer isso...
Começo a andar divagando e levando a bandeja de louça para a área de lavar, me sinto encarada, como se alguém não parasse de me olhar. Quando me viro dou de cara com Antony me encarando boquiaberto.
- Que foi?
- São ótimas ideias, Nina! Você deveria expô-las na reunião.
- Que? Não! Só estava te contando algumas coisas que já vi por ai, não são minhas ideias.
- Claro que são, você incrementou e modificou de acordo com a necessidade dessa cafeteria, pode até ter se inspirado em outras ideias, mas essas são suas. E você vai expô-las!
-Não Antony, melhor não.
Fujo pra cozinha porque não quero discutir com ele. A última vez que dei uma ideia fui feita de chacota na fazenda dos Almeidas.

Quando chega a hora da reunião, todos se agrupam e a responsável pela reunião se apresenta e começa a falar sobre dados, proporções, relatórios de venda e lucro, nos parabeniza pela meta alcançada e questiona sobre possíveis problemas. A gerente expõe algumas questões na cozinha e um problema com o monte de lixo molhado que produzimos, fala sobre a borra de café que entupiu uma parte da tubulação da cozinha, e que acha melhor descartar ela junto com os outros lixos.
- Já pensaram em usar de adubo nas plantas da cafeteria?
Quando percebi já tinha falado, todos estavam me olhando. Fiquei um pouco nervosa com a atenção.
- Acho que daria pra adubar uma floresta com o tanto de borra que produzimos por dia.
- E desde quando isso serve como adubo?- Me pareceu que ela estava debochando da minha ideia, mas não vou me deixar afetar pela opinião de Joana, ou por qualquer outro. Depois de tudo que aconteceu, de agora em diante vou tentar seguir em frente mesmo que me afete. Meu filho é mais importante que tudo, por ele eu tenho que aprender a lidar com todo tipo de ser humano.
- Desculpa, como é mesmo seu nome?
- Joana, senhorita Lillyan.
- Eu sei o seu nome Joana, trabalha aqui a mais de três anos. Estava falando com a novata.
- Aaa
Joana me olha com desgosto aparente.
- Marina, mas pode me chamar de Nina.
- Nina. Ok! E como você usaria essa borra para adubação? Nossa demanda é grande, não temos tantas plantas quanto adubo.
- Olha, confesso que não pensei nessa parte...
Escuto um bufo de Joana e uma exclamação entredentes.
- Claro que não.
- Mas podemos doar a borra para os clientes que tenham plantas em casa, ou para empresas que precisem de adubos. O preparo da borra pra que vire um adubo rico em nitrogênio é fácil... Podemos colocar instruções de uso em cada sacolinha... Fazer sacolas de tamanhos diferentes pra atender a cada cliente ou parceiro que precisar do adubo...
Meio que divaguei sobre o assunto, quando levantei o olhar todo mundo estava me encarando de novo, na verdade acho que eles não pararam de me olhar desde que abri a boca. Nunca vi uma pessoa igual a mim, não para com a boca fechada, tem sempre que opinar e tentar melhorar alguma coisa. Tenho que parar de pensar nos outros e começar a pensar mais no meu filho, não posso perder esse emprego.
- É uma ideia muito boa, Nina. Precisa de alguns ajustes, mas acho que o pessoal do marketing vai amar. Vai ser uma exposição positiva para a marca.
- Certo. Fico feliz em ajudar!
Antony me cutuca e sorri.
- Que bom que resolveu falar suas ideias...
Me assusto com o volume de Antony, as pessoas ainda estavam nos olhando.
- Fala baixo, Antony...
- Não vai expor as outras?
- Antony!
- Outras? Teve outras ideias, Nina?Estou animada para ouvi-las! Vai compartilhar conosco, certo?- Lillyan me questiona com um sorriso tão animado, que fico até sem jeito de falar não.
- É...hum... Não é nada demais... Acho que não...
Gaguejo um pouco, tento pensar em uma forma de me livrar da exposição, não vai acontecer de novo. Eles não vão escutar e aceitar mais uma ideia minha... Por que esses pensamentos não me deixam. Acho que ninguém aqui é como Rodrigo, ou seus amigos.

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