Capítulo dois.

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20 de setembro, 2016.

            Desci as escadas lentamente, encontrando o local totalmente escuro. A chuva caía lá fora, fazendo com que uma goteira surgisse no último degrau da escada. À luz do relâmpago deu uma breve claridade para o porão através de uma janela quebrada.

Podia-se ver a sombra de alguns ratos passando pelo porão. Alguns móveis velhos haviam sido jogados aqui nos últimos dias, já que aumentou a quantidade dos mesmos.

Parei quando coloquei meus dois pés no local do assassinato. Estava tudo bem sujo, como sempre. Encarei o lugar pegando um cigarro em meu bolso junto ao isqueiro.

Coloquei o mesmo entre meus lábios, puxando lentamente a fumaça e a soltando logo depois. Encarei o lugar aonde cortei Franklin Clark ao meio. Eu ainda conseguia vê-lo deitado naquele chão, procurando por algum rastro de humanidade em mim.

Ainda lembro-me bem quando ele entrou no porão e que quando ele menos esperava, arranquei seu braço fazendo-o cair. Ele me olhou como se perguntasse o porquê eu fiz aquilo, mas sei que ele encontrou a resposta sozinho ao voltar no passado.

Caminhei pelo lugar, fazendo com que as lembranças daquela noite voltassem à tona. Não havia nenhuma mancha de sangue, muito menos o machado que usei. Sem provas, sem punição.

Mesmo que a imagem de seu rosto amedrontado esteja grudado em minha cabeça, ainda sinto que foi pouco. Ele não sofreu como eu sofri. Foi tão pouco que, por um momento, torço para que aquele dia volte e que eu possa fazer bem mais.

Ele ainda está sofrendo, posso garantir isso para você. Posso ouvir os gritos dele ecoando em meu ouvido, enquanto as chamas tomam conta do seu corpo.

Posso ouvir os gemidos de dor que escapam dos lábios dele.

É, eu sei. Mas queria poder vê-lo sofrer entre as chamas, vendo seu desespero e como ele sente tanto por tudo que fez — pensei soltando um sorriso e bati no cigarro com meu dedo, deixando as cinzas dele caírem no chão.

Com certeza ira vê-lo sofrer algum dia. Até porquê você vai para o mesmo lugar.

Engoli em seco, enquanto um braço passou pelas minhas costas até parar em meu ombro. Eu não precisava virar meu rosto para saber que é ele. Não mesmo.

Então ela andou um pouco, parando bem na minha frente. Seus olhos estavam fixos em mim, enquanto um sorriso surgia em seus lábios avermelhados.

Ou você pensou que iria para o céu, Clark?

(...)

Dirigi meu carro enquanto Break it down again tocava alto. Eu havia acabado de tirá-lo da oficina, o que é bom, já que a chuva está terrivelmente forte.

Posso ver as luzes da cidade embaçadas através da janela do carro, enquanto o sinal está vermelho. E, enquanto isso, posso ouvir a respiração pesada de Devil em meu ouvido, que está sentado no banco de trás.

Suas duas mãos repousaram em meus ombros, apertando-os. Ouço alguns de seus sussurros em meu ouvido, mas não quero escuta-lo. Quero apenas que ele suma o mais rápido de possível.

Você sabe que não vou deixá-la.

Jamais.

— Por quê? — pergunto mais para mim do que para ele, mas sei que ele não perderá a oportunidade de responder.

Eu sou seu lado ruim.

Sou uma parte de você.

Me diga como posso sumir?

Engoli em seco sua resposta, voltando a me concentrar no caminho. Apertei minhas mãos no volante, sentindo o caos se alastrar dentro de mim.

Dirijo até minha casa em silêncio, tentando afastar aqueles pensamentos de minha cabeça. Saio do carro e entro em casa encontrando minha mãe sentada no sofá olhando para a televisão chorando.

A polícia ainda está investigando o assassinato de Franklin Clark. Ainda não encontraram nenhuma pista, mas caso alguém souber de alguma coisa que possa ajudá-los, liguem imediatamente para a polícia  — uma voz rouca sai da televisão, fazendo minha mãe olhar para a tela fixamente.

Andei até ficar em frente da televisão, vendo uma imagem de Franklin estampada na mesma. Senti a raiva borbulhar dentro de mim, me fazendo desligar imediatamente a tv.

Você não deve assistir isso! — exclamei irritada. Me virei encontrando minha mãe chorando — Só vai piorar a situação, mãe.

Então ela enxugou as lágrimas e se levantou e caminhou até a escada, parando quando colocou o pé no primeiro degrau. Um longo suspiro escapou de seus lábios.

Não tem como piorar! — sua voz saiu em um sussurro, me fazendo fechar os olhos — Vou me deitar, sugiro que faça o mesmo.

Então ela subiu as escadas e desapareceu de minha visão. Tentei procurar dentro de mim algum sentimento parecido com arrependimento, mágoa e remorço.

Não adianta procurar, não há nada aí, e você sabe disso.

É, eu sei.

(...)

Saí de casa depois que minha mãe sumiu pelo corredor. Eu só queria encher minha cara, até eu nem me lembrar do meu próprio nome. Eu só quero esquecer tudo.

Você sabe que não pode.

Não quando ainda tiver a imagem dos corpos das pessoas que você matou.

Bati algumas vezes em minha testa, tentando afastar aquela voz da minha cabeça. Eu não quero ter isso em minha mente, não quando essa voz me controla.

Entrei no bar, enquanto a música terrivelmente alta preenchia meus ouvidos. Ignorei aquilo e andei até o balcão, me sentando. O Barman logo se aproximou, mostrando um sorriso de canto de boca.

Fiz meu pedido e logo um copo foi colocado em minha frente. Bebi todo o líquido, sentindo minha garganta queimar. O Barman me olhou surpreso.

— Mais! — falei colocando o copo completamente vazio no balcão.

Ele pegou a garrafa novamente e logo colocou mais, me fazendo tomar tudo de uma só vez. Então um homem se sentou ao meu lado, pedindo um bebida qualquer ao Barman.

Fiquei bebendo por longos minutos, já sentindo minha vista embaçar. Coloquei o copo mais uma vez no balcão.

— O que está procurando aqui? — escutei a voz rouca do homem ao meu lado, e quando me virei vi um cara que aparentava ter uns quarenta e poucos anos.

— Respostas! — falei, finalmente.

— Com certeza não encontrará isso em um copo de whisky.

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