HISTÓRIA VENCEDORA DO WATTYS 2020.
Jéssica vivia num conto de fadas, com amigas puxa-saco, uma família rica e a atenção de todos os rapazes do colégio. Aos dezessete, seu mundo vira de cabeça para baixo quando descobriu que estava grávida e a sua fa...
Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
— Você acha que alguém nos viu? — Perguntei enquanto procurava as roupas que joguei pelo quarto.
— Impossível — Bob respondeu, ainda sentado no sofá e apreciando uma taça de vinho.
— Como assim? A parede inteira é uma janela de vidro! — Protestei. Encontrei meu sutiã embaixo da mesa de jantar, me abaixei e estiquei o braço para alcançá-lo. Tive dificuldade para fechar de volta, acho que o arame entortou.
— Olha para a paisagem, estamos muito mais altos do que qualquer outro prédio da cidade. É impossível alguém conseguir nos enxergar aqui de cima.
— E se alguém tiver um drone? — Continuava brigando com o sutiã. — Me ajuda a fechar isso?
— Ninguém tem drone, fica tranquila — ele se aproximou e me ajudou com o sutiã. Era muito menos experiente em fechar do que em abrir, como fez horas atrás.
Enquanto vestia a camiseta, o encarei por alguns segundos, pensativa:
— Por que você está fazendo isso?
— Isso o que?
— Sendo legal comigo.
— Eu gosto de ficar perto de você, só isso.
— Mas não faz sentido.
— Não?
— Eu não sou uma boa pessoa. Olha para mim, não faz sentido alguém como você gostar de alguém como eu.
Ele sorriu, passou os dedos sobre o meu cabelo e afastou uma mecha do meu rosto.
— É uma pena que você não possa se enxergar através dos meus olhos. Também se apaixonaria por quem você é.
— Você um tonto.
— É verdade.
Voltei para casa com Ick dormindo como uma pedra e mais feliz do que nunca. Dentro daquele quarto de hotel, não existiam problemas. Fiquei imaginando como seria se o mundo inteiro coubesse dentro daquele quarto e eu pudesse me esconder das coisas ruins apenas trancando a porta.
No outro dia, decidi que precisava passar no mercado e comprar coisas saudáveis para Ick. Minha mãe (que ainda não falava comigo desde o nosso conflito) era a responsável pelas compras, mas fazia isso porcamente e quase nunca havia algo que o meu filho realmente gostasse de comer.
Ele ficou sentadinho no suporte do carrinho de compras, observando as prateleiras coloridas cheia de produtos com curiosidade. Eu, simplesmente me senti perdida no meio de tantas opções, sem saber exatamente o que procurava. Parte da empreitada era, na verdade, evitar permanecer debaixo do mesmo teto que a minha mãe.
— Oi — ouvi atrás de mim.
Virei-me e encontrei Lucas.
— O que você está fazendo aqui? — Perguntei.
— Compras, ué. O que você acha que as pessoas fazem no mercado?
— Ta bom — tentei me afastar, apertei passo, queria sair de perto dele o mais rápido possível.
Ele me seguiu, mesmo quando cruzei as esquinas das prateleiras, dei voltas e até pensei em correr:
— Assim parece que você está fugindo de mim — e deu risadas. Divertia-se com o meu medo.
— Assim parece que você está me perseguindo! — Reuni dentro de mim toda a coragem que restava. — E se continuar assim eu vou chamar a polícia contra você.
— Sério, e vai funcionar? — Mantinha o tom de voz sereno e agradável, de longe um estranho até poderia pensar que somos amigos. — Pelo o que eu sei, da última vez que você tentou prestar queixa na polícia ninguém quis te ouvir.
Gelei.
— Como você sabe disso?
— Eu sei de tudo sobre você, Jéssica — respondeu. — Sei até onde você passou a noite.
É difícil entender como o medo funciona. Você tem vontade de correr, mas também sente que movimentos bruscos podem trazer consequências ruins. Não importa quantos cenários trace na mente, todos parecem terminar da pior maneira.
— Por favor — falei baixinho. — Por favor, me deixa viver em paz. Eu só peço isso.
— Jéssica, como eu vou te deixar partir — ele disse. — Se você é a minha vida.
***
Nota do autor
Pessoal, com os últimos capítulos chegando e os preparativos para o próximo livro, os próximos capítulos de Jéssica serão semanais, sempre aos domingos.
