Capítulo 34

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   Acompanho seus pés, consigo prever seu próximo movimento e o próximo, o tintilhar de espada contra espada preenche o convés, após semanas de prática, após noites mal dormidas e de várias dores eu consigo ler seus movimentos, como uma dança eu movo meus pés junto aos dele, bloqueio cada um de seus golpes, escuto de longe a risada dos homens que nos observam, me distraio por apenas um segundo, vejo sua espada vir em minha direção, não dá tempo de bloquear, pulo para trás mas sua espada passa de raspão pelo meu braço, sinto a ardência, posso sentir meu sangue se misturar ao meu suor, olho para meu braço por alguns segundos, vendo uma fina linha vermelha escorrer, ergo minha espada e o ataco, giro a espada sobre sua cabeça, ele bloqueia, estou a poucos sentimentos de seu rosto, as espadas nos separando, o cabelo loiro do mestre de armas está grudado em seu rosto pelo suor, e ele está ofegante, eu também estou, sorrio de canto lembrando de nossos treinamentos, cada tombo, cada corte, cada xingamento, cada lágrima.
- Você é um homem muito bonito!
    Não tenho tempo de me condenar por minhas palavras, são necessárias. Ele me olha incrédulo, vejo sua expressão mudar, ele arqueia a sombrancelha sem entender, sinto a pressão contra minha espada diminuir, avanço contra acertando meu joelho entre suas pernas, ele cai de joelhos urrando de dor e com as mãos entre as pernas.
- Sempre que puder trapacear... Trapaceie... Nunca deixe as palavras do inimigo te atingirem... Nunca baixe a guarda...
    Repito algumas de suas instruções, escuto ele dar risada mas mas ele continua no chão com dor, os homens a nossa volta estão em silêncio, esitante eu ofereço minha mão para ele, sinto seus olhos pararem nos meus ele aceita minha mão, não me deixo levar pela surpresa e pela felicidade, ele se levanta e solta minha mão, então me dá alguns tapinhas no ombro.
- Você está pronta!
    Posso ver ele sorri para mim, sorrio de volta, depois de dias com ele criamos alguns laços, ele não é o homem que eu achei que ele fosse quando o conheci, ele é agradável e me trata bem, agora vejo algo parecido com orgulho em seus olhos, ele junta sua espada a guardando e vira suas costas para mim me deixando no convés, sozinha, ofegante pelo exercício, os homens aos poucos vão se dissipando e voltando aos seus afazeres.
Olho para o céu enquanto caminho pelo convés, ele está alaranjado pelo por do sol, estico os braços me espreguiçando, olho em volta apoiando as costas no corrimão da escada, vejo os homens se recolhendo, alguns estão acendendo as lâmpadas, outros estão fazendo nós, e ainda outros não fazem nenhum trabalho apenas conversam e bebem, olho para cima vendo de longe um homem na vigília não sei quem é a essa distância.
Esses homens que por toda minha vida eu vi como monstros, como assassinos e destruidores de famílias, como bárbaros e animais, agora não sei se os vejo assim, não todos, isso com certeza, eles são homens com histórias, alguns tem famílias, outros as perderam, cada um tem seu passado e seus fantasmas e cada um tem seu sonho, seu objetivo, subo as escadas rápido e paro perto a porta do capitão, ergo a mão para bater mas paro ou ouvir uma conversa.
- ... Se virarmos mais ao oeste ganhamos vento e podemos entrar em uma rota comercial... os homens reclamam de não ter saques o suficiente...
   Não consigo escutar algumas palavras.
- ..Está tão perto... É eu sei Felippe... Faça isso... Depois vamos ir.... Vender.. e reabastecer...
- Sim Capitão!
   Escuto passos então saio rápido indo para perto do timão, me sento escorada do parapeito, o sol já se escondeu, nuvens cobrem a lua mas está quente, sinto meu vestido em farrapos grudado em meu corpo pelo suor, tranço cuidadosamente meu cabelo quando algo chama minha atenção, olho para cima vendo o capitão segurando uma garrafa de rum a minha frente, a aceito, sinto a bebida queimar meu estômago quase vazio, a comida aos poucos está acabando e o que resta de água já está podre. Ele senta ao meu lado.
- Chegaremos em terra na próxima semana!
   Ele fala sem olhar para mim, por que ele está me contando, ele nunca conta nada.
- Não quero que se repita o que aconteceu da última vez...
   Olho para baixo me sentindo suja por alguns instantes ao lembrar daqueles homens, do jeito que me tocaram.
   Cerro os dentes e lhe entrego a garrafa.
- Sei me defender agora.
Ele sorri e olha para mim, então fica sério.
- Não me importa se acha que sabe se defender por que brinca com a espada.. Mesmo assim quero garantir que saiba que deve obedecer qualquer que seja a ordem que eu lhe dê!
  Assinto com a cabeça e me levanto.
- Sim Capitão!
Saio o deixando sozinho, por que ele tem que ser tão arrogante? Tão.. tão.. arrr, tão Capitão.
   Dou alguns pulinhos de raiva, brincar com a espada? Por que ele não me leva a sério nunca? Dou um soco no mastro, então o chuto.
- Seu..
   Não consigo pensar em nenhum xingamento...uma garota não deve xingar... Sinto meu corpo queimar em ódio.
   Dou mais um soco, e outro..
- Cretino!
   Mais um chute.
- Não sei o que ele te fez... Mas não queria ser esse mastro!
   Me viro no susto me deparando com Felippe.
- Tá aí a quanto tempo?
   Pergunto sentindo meu rosto queimar de vergonha, olho para minhas mãos, os nós dos dedos estão machucados.
- Se machucou? Posso?
   Ele pergunta sem esperar minha resposta ele pega minhas duas mãos então me olha por alguns segundos.
- Espera aqui!
   Ele sai quase correndo, fico lá parada sem entender onde ele tinha ido, suspiro me livrando do que restava de minha raiva, ele volta com uma garrafa de rum.
- Não quero beber Felippe!
  Falo o encarando, talvez tenha sido dura mas ele ri.
- Não é para beber!
  Ele pega minhas mãos novamente e vira um pouco do líquido sobre elas, solto um leve gritinho de dor e surpresa.
- Vai ajudar.
  Ele segura meu braço, não estou acostumada com esse contato mas não o afasto, ele vira um pouco no corte em meu braço, trinco os dentes, ele solta, o observo, ele rasga sua manga e ata sobre meu corte.
- É mais profundo do que parece!
    Sorrio para ele, lembro de quando era criança e ralava o joelho, Noah sempre me carregava até as pedras próximas ao mar e atava meu machucado.
- Obrigada Felippe!
- Você precisa se cuidar ou vai adoecer com essas feridas.
Então ele sorri de leve e faz um cumprimento exagerado.
- De nada senhorita... Nunca perguntei todo seu nome..
   Dou uma leve risada, ele finge cavalheirismo, então finjo ser uma dama, e estendo a mão para ele como vejo os nobres se cumprimentarem.
- Rachel Jones..
Ele balbucia meu nome então pega minha mão.
- Só Jones?
Faço que sim com a cabeça, sorrio para ele, uso apenas o sobrenome de minha mãe, não quero mais ser conhecida pelo de meu pai, ele dá um beijinho em minha mão e a solta.
- E você...?
- Que falta de educação a minha... Felippe Randhal...
  Ele faz uma reverência boba.
Olho seria pra ele então caio na risada, ele me acompanha, acho que é a primeira vez que dou uma risada assim desde que saí de minha casa pela última vez, Felippe é um bom amigo...

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