XVI - A andarilha.

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Havia passado muito tempo desde que saí de debaixo das asas do caçador, não tenho vergonha em confessar que por muitas vezes pensei em voltar e pedir para que esquecesse aquele bilhete e me deixasse ficar. Sabia que ele me receberia de volta, debaixo de toda a frieza, sarcasmo e mal humor; havia uma generosidade sem tamanho que ele demonstrava com pequenos gestos que somente com bastante atenção era perceptível. Foi observando-o e aprendendo ver por debaixo daquela máscara de indiferença que me apaixonei. Em minha ingenuidade de adolescente acreditei que o guardião platinado me corresponderia e isso foi minha perdição. A dor da rejeição doía intensamente e era por isso que não voltei, não suportaria ficar perto dele sabendo que não poderia tê-lo.

Vaguei sem rumo me valendo das minhas habilidades e dos ensinamentos que recebi durante cinco anos. Não foram poucas vezes que aqueles conhecimentos salvaram meu pescoço e com passar do tempo comecei a apreciar a solidão. Não devia satisfação a ninguém, ia e vinha quando queria. Começava a entender de o porquê Orion gostar de ficar sozinho e começava a compreender como deve ter sido difícil ter tido que mudar a rotina por causa de uma loba desajeitada.

Vivi inúmeras aventuras, venci perigos e visitei lugares que nunca ouvi falar, por mais que gostasse de um desses lugares não conseguia me sentir em casa. Falta alguma coisa... Alguém, assim me tornei uma andarilha. Indo de aldeia em aldeia, de dimensão em dimensão. Ajudando quem precisava. Dessa maneira soube da revolta que estava para acontecer.

Alguém estava recrutando as criaturas mais ferozes e letais de todos os mundos e os levando em direção a dimensão sombria. Precisava saber o que estava acontecendo e tentar resolver aquilo. Segui aquelas criaturas em minha forma lupina, isso unido ao colar élfico que usava tornaria minha presença invisível. Poderiam me farejar, mas sentiriam apenas o odor da fera, havia lobos em todos os lugares e isso não levantaria suspeitas. Fiquei nauseada ao presenciar a selvageria daqueles seres e impotente por não poder fazer nada, eles eram ferozes e estavam em um número significativamente maior. Sozinha não poderia fazer nada, precisaria pensar em outra coisa.

Enquanto os perseguia e começava a desistir de encontrar uma maneira de pará-los, vi uma perturbação entre as fileiras do exército inimigo em marcha. Alguém estava abatendo os soldados ordenadamente, matando em lugares estratégicos causando caos e desordem. Senti uma pequena pontada de esperança, talvez um outro exército estivesse a postos para fazer aquelas criaturas darem meia volta e acabar com a trilha de destruição que estavam causando. No entanto não sentia mais nenhuma presença a não ser daqueles que eu estava seguindo. Esperei para ver o que aconteceria, mas os ataques pararam e algum lugar mais atrás ouvi um som retumbante que até mesmo minha audição limitada foi capaz de captar.

Com o fim dos ataques, as fileiras inimigas se organizaram e voltaram a se mover, porém fiquei onde estava. Subitamente senti a necessidade de verificar o que era o causador daquele barulho e o que aconteceu com o arqueiro misterioso. Como havia aprendido a muito tempo, ouvi meus instintos deixei que eles seguissem marcha e voltei a procura da origem daquele som. Ao me aproximar ouvia cada vez mais o barulho familiar de uma luta em andamento. Cautelosa diminuí a velocidade de locomoção, não seria precipitada. Analisaria a situação primeiro antes de pensar em entrar em uma luta.

Mais uma vez o silencio se fez presente e tive que seguir as cegas até encontrar o odor familiar de sangue. Aquele cheiro deixou-me de pelos arrepiados porque só podia significar que estava perto de sua origem. Não demorei a achar o ferido, só não imaginava que quem eu procurava era justamente o ultimo ser que esperava rever. Orion estava amarrado com os braços para cima em um galho de uma arvore, sua cabeça pendia para frente mostrando que estava desacordado. Aprecei-me a mudar de forma e socorrer o caçador. De perto podia ver o tamanho do estrago, sua face estava machucada em vários lugares e um de seus olhos começava a ficar roxo. Para completar o quadro de horror, uma adaga estava fincada em seu ombro até o cabo.

Guardiões. - Orion. O caçador. #Cte2018Onde histórias criam vida. Descubra agora