O passado de Lemaire

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- Seis meses antes do assassinato

Estávamos todos sentados na mesa e jantando. Dimitri vestia uma roupa desleixada manchada de tinta, estivera pintando o dia todo, enquanto Arletta usava um vestido verde cheio de pequenos detalhes espirais.
- Deveríamos dispensar alguns criados. Não temos dinheiro suficiente para pagar todos. - disse Arletta com um tom sutil.
- Dispensar os criados e revelar nossos problemas financeiros para todos da vila? Só pode estar ficando louca - disse Dimitri
- Não podemos fingir para sempre e você sabe disso, seus quadros não são mais grandes obras e... - antes que Arletta pudesse terminar a frase, Dimitri deu um soco na mesa e se levantou da cadeira onde estava sentado. Apontou um dedo para ela e disse:
- Se você quer viver com uma reputação arruinada, vá em frente! Talvez seu lugar seja com os porcos mesmo!
- Se você não tivesse transado com a esposa do ferreiro na frente de todo mundo isso nunca teri... - Dimitri caminhou rapidamente até Arletta e agarrou seus cabelos e a jogou no chão, segurou seu rosto e deu um forte tapa que fez com que seu pálido rosto ficasse com uma vermelhidão.

Levantei rapidamente da cadeira com meus olhos cheios de lágrimas. Todos os jantares, todos os dias, essa cena se repetia e não havia nada que eu pudesse fazer ou dizer. Eu apenas observava, angustiada e com a crescente raiva que surgia dentro de mim. 

Os criados da casa já não se impressionavam com tais ações do meu pai, todos apenas observavam, assim como eu.
- Saiam da minha frente! Vocês tem afazeres! - Dimitri disse e saiu da cozinha dando passos pesados.
Ajudei minha mãe a se levantar e com lágrimas descendo de seu rosto, ela apenas disse:
- Deus me abençoará com a morte deste homem. Que queime no inferno assim como todos desse lugar de pecadores. - Arletta ajeitou seu vestido, enxugou as lágrimas e saiu da cozinha quieta.

Eu sempre achei a minha casa muito grande para o vazio que existia nos cômodos, além de serem vazios e frios.
Os bens materiais e a reputação é uma coisa muito importante em Avignon, e por causa das diversas transas às escondidas, as brigas e o alcoolismo, transformara Dimitri em um pecador. Mas mesmo assim, as pessoas mantinham respeito por ele. Aqui no vilarejo, o dinheiro tem mais poder do que qualquer outra coisa. E talvez o respeito de nossa família estaria chegando ao seu fim, os quadros do meu pai já não eram mais considerados como obra prima. Outros pintores estavam se ascendendo e novos estilos se formando, e a nossa riqueza ficando cada vez mais ameaçada.

Subi para meu quarto e vesti uma longa camisola branca. Deitei na cama e observei todos os detalhes do meu quarto, as nobres cortinas e a penteadeira, até que ouvi ruídos e sussurros. Levantei-me e segui até a porta, andei devagar sem querer fazer barulho, a porta do quarto do meu pai estava um pouco aberta. Olhei com cuidado através da fresta e lá estava ele, ajoelhado.
- Dou-lhe a minha alma, preserve-a e a guarde para mim meu Senhor.
Me surpreendi, pois meu pai não era religioso e odiava qualquer coisa que tivesse a ver com Igreja. Mas logo percebi que não era para nosso Senhor que ele estava orando. Um vento gelado percorreu por minha nuca e senti medo. Sai de lá e voltei para meu quarto.
Durante dias, fiquei pensando sobre o que eu havia visto, foi assustador.

Agora, ele está morto, e se ele realmente servia a outro Senhor, isso significa que sua alma está guardada em algum lugar. A partir disso, eu me lembrei do que ele havia dito sobre o quarto proibido, "aonde guardo a minha alma". Era lá, e eu finalmente iria entrar e descobrir o segredo do quarto que por 17 anos fui proibida de entrar.
Eu finalmente iria conhecer a alma de Dimitri Lemaire.

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