Dentro da Alma

A Carta

Eu estava sentada perto da janela do meu quarto e fiquei observando o céu através do vidro. Muita coisa estava acontecendo, e às vezes temos aqueles momentos em que queremos que tudo termine. Momentos que nos fazem desejar dormir para sempre.

- Maldição - eu disse - minha vida sempre foi isso, uma maldição.
Levantei-me e fui até a biblioteca. O lugar que mais gosto nessa casa escura e sem vida é essa sala com livros empoeirados e com uma lareira quentinha.
Quando cheguei, Margareth e outras criadas estavam limpando os vidros e tirando o pó.
- Myrrine! Estamos limpando - disse Margareth com uma voz autoritária.
- Não vou atrapalhar, juro que não - fiz um biquinho mas todas as criadas me expulsaram de lá.
Margareth sempre foi uma mulher carinhosa comigo, ela cuidou de mim desde sempre e considero-a como uma mãe. Só não gosto quando ela me expulsa do meu local favorito da casa.

A casa é tão grande e fria, não porque meu pai havia sido morto. Sempre foi assim. Quando eu era criança, sentia coisas estranhas como se algo mais estivesse vivendo aqui, e com certeza, depois dos últimos eventos que ocorreram tudo piorou. É como estar presa em uma floresta cheia de criaturas que você não conhece, onde sua única companhia é o medo e a angústia. 

 Ser uma dama em Avignon é um desafio, temos que saber sobre bordados, música e desenho. E naquela tarde, eu iria passar tempo com minha mãe para desenhar. Coloquei um vestido azul escuro com mangas bufantes e prendi meu cabelo da forma mais simples possível. Fui até a sala central e sentei-me ao lado de Arletta.

- Pensei que não iria aparecer - disse Arletta com os olhos fixos no papel

Eu não disse nada. Peguei minhas coisas e comecei a esboçar.

- Soube da última notícia? Miss Ryn vai se casar com Sr. Walter. Dá para acreditar? Miss Ryn teve sorte de ficar noiva de um homem tão importante, já que sua família está quase arruinada. 

- Adorável. - foi a única coisa que consegui dizer

- Quando pensa em se casar? O tempo está passando Myrrine. Nenhum homem vai querer se casar com uma velha. Veja a Sra. Gilbert, sem marido e sem respeito. É conhecida apenas por ser a fofoqueira de Avignon.

- Nunca vou me casar. Não me importaria de ser uma Sra. Gilbert. 

- Oras! Como diz besteiras. Quando visitarmos Paris na próxima semana, conhecerá rapazes fascinantes. - Arletta disse isso com um sorriso no rosto.

- Vamos a Paris? - parei de desenhar e olhei para ela

- Ah, sim. Sr. Apolon nos convidou para um baile, não é maravilhoso? Ele tem um filho sabia? Quem sabe voc... 

- Eu já o conheci. Victorine Apolon. - terminei meu desenho, e coloquei em cima da mesa. Levantei-me e estava quase saindo da sala quando Arletta me chamou.

-  Myrrine, preciso que leve esta carta para o padre Ryan, e por favor, não abra. 

Peguei a carta, mas ela não soltou. Arletta olhou nos meus olhos e disse:

- Não sou a vilã. Dimitri me machucou, você sabe disso, mas eu nunca quis a morte dele. Isso trouxe a maldição, estamos amaldiçoadas Myrrine. Estou tentando te proteger, e a única forma disso acontecer, é se ficarmos ao lado de Deus. Prometa para mim que não mexerá com ele.