Não olhe para trás

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- Eu preciso sair daqui. Arletta não pode saber que estou viva – eu disse enquanto afastava meu rosto de Victorine

- E para onde você iria? – perguntou Victor enquanto mexia em seus cabelos

Para onde eu iria, essa foi uma ótima pergunta. Eu não tinha para onde ir e nem sabia quando Maurice e Arletta realizariam o plano. Tudo o que eu sabia é que deveria ir atrás deles.

- Eles irão voltar a Paris. Tudo deverá acontecer lá - tentei me mexer mas o ferimento ardia de dor

- Você está ferida, não pode sair assim.

- Eu não tenho outra opção. Não posso ficar aqui, uma hora ou outra ela vai descobrir que ainda estou viva... se ela já não estiver sabendo...

Victorine levantou-se.

- Precisamos de um plano. Daremos um jeito, e enquanto isso, tente descansar - ele deu um beijo na minha testa e saiu do quarto. 

Fechei os olhos mas era impossível adormecer com um milhão de coisas passando por sua cabeça. Já estava anoitecendo e eu ouvia o barulho do vento na janela, de passos sobre o piso de madeira e meu machucado ardia como fogo.

A imagem de Arletta enquanto segurava a faca me dava enjoo. Meu estômago doía e eu comecei a tossir sangue. Cobri minha boca com o lençol e apertei minha barriga. 

Cumberland, John e Victorine entraram no quarto.

- Está tudo bem? Meu Deus... Deixa-me ver seu ferimento - disse John 

- Eu preciso sair daqui - tentei me levantar - Tirem-me daqui. 

Cumberland lançou um olhar de preocupação a John que logo depois apareceu com uma cadeira de rodas de madeira.

- Antes, eu preciso que vocês me levem ao quarto de pinturas do Dimitri 

°

Enquanto John me empurrava na cadeira de rodas através do corredor frio e escuro da mansão Lemaire, eu sentia olhos sobre mim. Olhos das diversas pinturas que Dimitri deixou pelas paredes. Senti um arrepio sobre todo meu corpo.

John parou-me em frente a porta e abriu-a.

- Tem certeza que quer fazer isso? - perguntou Victorine

Fiz que sim com a cabeça. 

John continuou e levou-me até o centro do quarto.

- Obrigada, John - olhei para ele e percebi que estava preocupado

- Estaremos do lado de fora - John saiu e fechou a porta

O quarto proibido estava do mesmo jeito, não mexemos em nada. O quadro com a criatura não estava mais lá, com certeza Arletta e Maurice devem tê-lo pego. Lembrei-me do corpo de Dimitri no chão e ainda me pergunto como Maurice conseguiu o matar sem que ninguém - exceto Arletta - descobrisse. 

Várias pinturas estavam espalhadas por todo o canto, e novamente, aqueles olhos dos retratos invadiam a minha alma. 

Meu coração pulsava até eu sentir uma mão sobre meu ombro.

Não olhei para trás, eu sabia que Dimitri estava lá. A única coisa que eu pude fazer foi fechar meus olhos e ficar em silêncio enquanto as lágrimas caíam. 

Minha respiração estava pesada e juntava-se em uma orquestra com o barulho vindo da janela e o vento gelado que invadia o ambiente.

- Você nunca vai... me deixar em paz, não é? - eu disse com a voz trêmula

Senti um suspiro bem perto do meu ouvido. Apertei os olhos.

- Vo-cê... não pode... m-me ajudar - Dimitri mal conseguia dizer as palavras e sua voz estava muito rouca

- A-achei... - respirei fundo - achei que era isso que queria que eu fizesse. Te libertar.

Senti-o apertar meu ombro e ouvi um gemido doloroso.

- E-eu... nun-ca... me libertarei - Ele largou meu ombro e ouvi passos movendo-se e parando na minha frente, mas eu continuei mantendo meus olhos fechados - M-minha alma... fica-rá p-presa... no infer...no sempre!

- Vo-cê t-tem que... p-pará-los - comecei a sentir sua mão deslizando sobre minha perna e subindo até o meu rosto - ape...nas p-pare-os!

Meus lábios tremiam e cada vez mais eu apertava meus olhos e chorava. Eu não podia abri-los. 

- My...rrine... m-ma douce fille ... - ele acariciou meus cabelos e bochechas 

- Como vou pará-los? A criatura pode matar a todos nós - eu disse 

Ele parou com as carícias e senti que recolheu seu braço.

- En...tão n-não mo...rra

Dimitri voltou a ficar atrás de mim e continuou:

- Q-queime... t-todas mi...nhas... pinturas... e-estão... to-das... amaldi...ç-çoadas...

Senti novamente um suspiro no meu ouvido e ele aproximou-se:

- F-faça isso... e s-se salvará... 

De repente, as velas do enorme candelabro que pairava sobre o teto, acenderam-se.

Abri os olhos e olhei em volta. Dimitri se foi.

John, Cumberland e Victorine abriram a porta e vieram até mim.

- Como foi? Deu certo? - perguntou Cumberland

- Temos que queimar esses quadros - eu disse

John olhou em volta com cara de assustado.

- M-mas... todos? Tudo isso vale muito... Quero dizer... são obras primas de Dimitri Lemaire, o maior pintor de toda França 

- Estão amaldiçoados, John. A qualquer momento pode sair um demônio de dentro... - comentou Victorine

Cumberland olhou para mim e para todo o resto.

- Vamos fazer o que deve ser feito e depois sairemos desse lugar. Vamos a Paris e acabamos com isso. Eu sei de um lugar onde podemos ficar 

°

Nós preparamos tudo para a queima das obras, mas eu não queimaria apenas um amontoado de telas, eu iria queimar toda mansão. 

John deixou tudo preparado para fugirmos em seguida e eu finalmente deixaria a mansão Lemaire que me aprisionou na angústia, e eu deixaria Avignon que se tornou o lugar dos meus pesadelos. 

Através dos meus olhos lacrimejantes eu enxergava as cinzas que se espalhavam pelo céu e junto a elas, toda a minha dor. 

Cumberland foi até mim e segurou minha mão.

- Vamos... está na hora - ele olhou-me e senti seu olhar carinhoso

Virei-me e fui embora. 

Sem olhar para trás.

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