Purificação

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Á medida em que meus dedos deslizavam pelo quadro, eu me sentia confiante e ao mesmo tempo era como se algo estivesse sendo tomado de mim. É como expor todos os seus segredos e a sua alma, onde até então, apenas você tinha acesso. Talvez seja isso que os artistas sentem quando mostram sua obra ao mundo.

Parei de pintar e coloquei o pincel ao lado. Agora a pintura não tinha mais apenas a alma de Dimitri, a minha também estava lá e eu não estava com medo, tudo agora faz parte de mim e não tem como fugir. É por isso que se chama ''maldição'', fica marcado em você para sempre.

Sai do quarto e tranquei a porta, segurei a chave e segui para meu quarto enquanto a escuridão do corredor me engolia. Fui até a biblioteca e Arletta estava lá, sentada próxima a lareira.

- Não sabia que você havia começado a pintar. - Arletta disse sem tirar os olhos do fogo da lareira.

- É apenas um passatempo, mãe.

- Um passatempo tanto quanto perigoso. A arte é capaz de despertar o nosso pior.

- Você diz isso por causa do Dimitri. Ele nem sempre foi um monstro, algo o mudou, não foi? - sentei-me ao lado de Arletta e aguardei por uma resposta. Depois de alguns minutos ela desviou o olhar do fogo, e dirigiu-o a mim.

- Ele... sempre foi, e sempre vai ser como um deles. Eu nunca vou perdoá-lo, nunca poderei, ele rejeitou o nosso Senhor Deus. - Arletta disse com um tom muito raivoso, e seus olhos demonstravam todo o rancor.

- Eu sei que está mentindo e escondendo coisas de mim, e eu vou descobrir, mãe. Você me contando ou não. - antes de eu me levantar, ela agarrou meu braço.

- Eu estou cansada dessas suas histórias. Você não faz ideia do que você é. - quando disse isso, ela deu uma forte risada - e quando descobrir, e se o fizer, caso não esteja morta até lá como Dimitri, você vai querer morrer. 

Arletta se levantou ainda segurando meu braço fortemente, e puxou-me até fora da biblioteca.

- O que... o que está fazendo... - eu disse, tentando fazer com que ela me soltasse, mas era uma força extraordinária.

Quando estávamos chegando a uma porta no final do corredor, algumas criadas apareceram, Margareth, Myrtha e Claire. Elas não fizeram ou falaram nada. Apenas ouvi Myrtha sussurrar ''Sinto muito miss Lemaire''. 

Arletta abriu a porta e me jogou lá.

- Nunca mais me desafie. Quer que eu seja a vilã? Então eu serei. Você só sairá dai quando for purificada e posso te garantir que sofrerá sua vida inteira, sua alma está perdida. Quer saber a verdade? Então aqui está: você é a filha do demônio, e não é do Dimitri que estou falando. - ela deu sorriso maligno, fechou a porta e trancou-a.

°

Arletta sempre foi muito religiosa. Quando comete um pecado, ela vai até o quarto da purificação, é assim que o chama. Eu nunca estive lá, até agora.

É um quarto pequeno e possui uma janela bem pequena, onde a luz entra de forma limitada. Há uma cruz bem grande em uma parede, já na outra, há orações em latim. Comecei  a chorar e sentei-me no chão abraçando os meus joelhos. O quarto estava muito frio.

Não conseguia parar de pensar no que Arletta havia me dito, ''filha do demônio''. Meu corpo foi tomado por uma forte angustia e desespero. Comecei a gritar de dor, era como se minha alma e meu interior estivessem pegando fogo. Deitei-me no chão com as mãos em meu peito e chorei tanto, deixei apenas que aquele sentimento horrível tomasse conta do meu corpo.

Dentro da AlmaOnde histórias criam vida. Descubra agora