O Jardim

72 21 4
                                    

Quando abri os olhos, estava deitada no chão com várias pinturas em minha volta. Minha cabeça girava e a única coisa que eu me lembrava, era de sentir uma mão gelada no meu pescoço. Comecei a sentir muito medo e corri pra porta, recordando-me do que havia acontecido.

Quando fechei a porta, ouvi uma voz atrás de mim.
- O que está fazendo, senhorita?
Levei um susto e quando me virei, era Augustus, o jardineiro.
- Sinto muito assustá-la senhorita, mas não pode estar aqui. Deveria estar na cama. - Augustus me olhou e percebi um tom de preocupação em seu rosto.
- Eu só queria ver o que tinha dentro. Nunca pude entrar, e agora que ele está...
- Morto? Eu entendo, mas deve ir para seu quarto, sua mãe não irá gostar de saber que esteve aqui.
Assenti e fui para meu quarto e me deitei. Eu ainda estava muito assustada, não fazia ideia do que tinha acontecido, mas ainda sentia aquelas mão gélidas e negras sobre meu pescoço. Era impossível dormir depois do que aconteceu.

Margareth entrou no meu quarto já pela manhã e estava apressada.
- Senhorita Lemaire, por que ainda está deitada? Temos que ir para a costureira! Anda vamos! - Margareth abriu as janelas e cortinas, e me puxou pelos braços.
- Por que temos que comprar um vestido chique? É apenas um funeral. - respondi.
- O funeral do seu... pai...
- É - fechei os olhos e não sabia o que sentir. Talvez eu estivesse triste pela morte dele, mas ao mesmo tempo, era como um alívio.
Margareth e eu fomos ao centro de Avignon, e apesar de não viver muitas pessoas aqui, as ruas são bem cheias. Crianças correndo, o barulho das ferramentas do ferreiro se batendo uma contra as outras, trotes de cavalo e gritinhos escandalosos das moças quando se empolgavam com alguma fofoca.
Quando chegamos no ateliê, Tibina nos atendeu.
- Senhorita Lemaire! Que bom te ver! - abriu um enorme sorriso e me abraçou com muita empolgação.
- Tibina, isso são modos? Peça para Claire trazer o vestido por favor. Vá criança, você tem muito trabalho a fazer - disse Margareth a Tibina, que fez uma cara de tristeza e entrou através de uma porta feita de cortinas.
Tibina e eu somos amigas desde criança, mas por sermos de classes diferentes, não podemos ter tanta intimidade, mas mesmo assim somos melhores amigas, isso quando não há ninguém por perto. 

Os pais dela morreram de tuberculose quando ela ainda era bebê, e por isso, passou a viver com sua tia Claire, a costureira, e a ajuda como pode no ateliê.
O ateliê de Claire é o único de Avignon, porém é muito bagunçado, cheio de retalhos espalhados por toda parte, além das janelas estarem sempre fechadas, o que deixa um cheiro de mofo horrível no ambiente.
Claire apareceu com um vestido preto nas mãos e quando me viu, deu um largo sorriso.
- Senhorita! Fiz o melhor vestido que pude. Acho que irá gostar. - era um vestido longo com rendas nas mangas e exageraxamente... preto.
Não que eu não goste de preto, mas parece um vestido de viúva.
- É tão lindo. Sua mãe vai adorar ver você vestindo isso! - disse Margareth com muita empolgação.
- É realmente muito lindo. Obrigada senhora Chatêou. - menti. É literalmente o vestido mais feio que já vi na minha vida.
- Nada disso, eu que agradeço. Aliás, sinto muito pelo seu pai. O senhor Lemaire era um homem... aaannn... Era um bom artista! - disse Claire e deu um sorriso rápido. Logo depois ficou pensativa, fechou a cara e falou:
- Vejo a senhorita mais tarde. Tenho muitos vestidos pra costurar! Adeus Margareth - fez uma referência rápida e correu para dentro.
Tibina apareceu e me deu um sorrisinho tristonho
- Adeus... senhorita Lemaire. E sinto muito pela sua perda.
- Adeus Tibina. - assenti com a cabeça e sai do ateliê.

Quando cheguei em casa, o salão estava todo decorado. Com cadeiras e mesas, um piano ao centro, e serventes sendo preparados. Estava quase na hora do funeral.
Margareth ajudou-me vestir e penteou meus cabelos, cujo pareciam estar mais escuros hoje.
Desci as escadas, e os convidados já estavam lá. Arletta chamou quase todos do vilarejo, principalmente os de classe alta.
Quando apareci, as pessoas iam até mim e me diziam o quanto estavam abaladas com a morte de Dimitri, mas eu sabia que tudo isso era falso. Esse funeral é uma farsa. Ninguém aqui se importa com ele, todos sabem o que ele era. Mas o dinheiro vale muito mais do que os pecados.

O pianista começou a tocar uma composição de Johann Sebastian Bach, a primeira composição que aprendi a tocar no piano. Foi Dimitri que me ensinara. Eu era criança e lembro dele sorrindo enquanto tocava comigo.
Meus olhos se encheram de lágrimas. Comecei a me lembrar de momentos com ele. Momentos felizes.
Lembrei de quando ele me ajudou a plantar uma rosa no jardim, mas depois de quatro dias, a rosa morreu. Lembro de que comecei a chorar quando vi a rosa toda murcha. Dimitri sentou ao meu lado e me disse:
- Por que você está chorando? Eu estou vendo uma linda rosa agora mesmo e ela está radiantemente viva.
- Onde? - eu disse enxugando os olhos
- Oras! Mas é você mesma! Você é meu jardim.
Tudo isso veio como um flashback na minha cabeça. E foi ai que percebi. Dimitri Lemaire não era um monstro. Alguma coisa aconteceu. Talvez isso tenha a ver com a pessoa que o matou.
Levantei atordoada, e corri até o jardim com lágrimas nos olhos. Desabei-me no chão e comecei a chorar. Quando olhei para o lado, vi uma rosa. Nós não temos rosas no nosso jardim.
Senti um arrepio. Arranquei ela do solo sem dó. Quando olhei para minhas mãos, elas estavam sangrando.
Sangue escorria e eu sentia dor, como se vários espinhos estivessem entrando na minha pele. Mas não havia espinhos. Então eu percebi.
Eu sentia que o assassino estava aqui. Pode ser qualquer um que está no salão nesse exato momento.
Dimitri quer me dizer alguma coisa. Ele não era quem aparentava ser. Eu tenho certeza disso.
Chegou a hora de descobrir a verdade. Limpei minhas mãos no vestido, mas ainda estava suja de sangue.
Voltei pro salão e senti olhares sobre mim.
É agora.

Dentro da AlmaOnde histórias criam vida. Descubra agora