Eu tenho muitas dores. Demônios internos que devoram a minha alma diariamente, mas lutar contra isso é inútil. Eles sempre voltam mais fortes, prontos para acabar com qualquer fio de esperança e fé que exista em mim.
É uma dor inexplicável, aguda e eterna.Estar no Sanatório Dobois significa estar presa com seus sofrimentos. E não há como esquecer.
- Doris! Você está roubando! - rugiu Pária
- Mas... Eu juro! Não estou, Não! - Doris tremia - Di- diga a ela Myrrine! Diga a ela que não estou roubando.
- Você está roubando sim, Dóris. Estou vendo a carta escondida bem de baixo da sua perna. - eu disse.
- Eu cansei de jogar com vocês! Nunca me deixam ganhar - Dóris fez uma cara feia.
Passei os olhos por todos que estavam na sala e pela primeira vez na semana, eles estavam calmos.
A maioria deles são completamente insanos, mas outros, são apenas como eu. Presos entre a realidade e a fantasia.
Na sala havia um quadro enorme com uma figura estranha e isso me causava arrepios e medo. Fazia-me lembrar da criatura e da maldição.
- É sinistro - perguntou Dóris.
- O que? - olhei para ela me despertando dos meus pensamentos.
- O quadro
- Sim
- O que você acha que se parece? - Dóris estreitou os olhos - Eu acho que é um cavalo.
Não respondi. Para mim parecia a criatura, mas eu não queria pensar nisso agora.Dóris tem transtornos mentais e é a mais nova daqui, ela tem apenas doze anos. Possui os cabelos castanhos e um corpo magricela. Foi minha primeira amiga desde o dia que cheguei aqui.
Pária tem dezenove e não sabe porque está aqui. Ela perdeu todas suas lembranças.- Acha que eles nos envenenam? - perguntou Pária.
Nós estávamos sentadas na mesma mesa que jogamos com Dóris.
- Talvez - respondi
- Eu acho que eles irão raspar minha cabeça - Pária jogou seus cabelos loiros para frente.
- Por que acha isso?
- Todo dia alguém volta careca.
Olhei para ela e estreitei os olhos.
- Não acho que vão raspar sua cabeça.- respondi finalmente.
- Certo... - Pária ficou encarando todos junto comigo. Os dias naquele lugar eram tediosos, cada segundo pareciam horas e cada minuto, meses.Foi assim durante quatro semanas. Acordar, tomar remédios, ir para a sala, comer, vomitar, dormir, e às vezes passávamos por "tratamentos" dolorosos.
Eu estava dormindo quando ouvi vozes, e isso acabou me despertando.
Olhei em volta do mini quarto mas não tinha nada, apenas eu e uma cama dura.
Sentei-me na cama e abracei meus joelhos. Estava com muito frio.
Por favor, de novo não, pensei.
A criatura sempre voltava para mim, ela me persegue. Todos devem estar certos, eu estou completamente louca.Fechei os olhos e tapei-os com minhas mãos para tentar esquecer essa dor interna que eu sentia.
A porta do quarto abriu-se.
- Myrrine Lemaire, venha comigo. - era um dos homens de branco.
Levantei-me e sai do quarto junto a ele.
Quando chamam o paciente na calada da noite, significa apenas uma coisa. E isso não é nada bom.
Caminhamos pelo corredor sujo, escuro e frio que não parecia ter fim.
O caminho para morte, pensei. Eu sabia que iria morrer um dia, mas não queria que fosse em um sanatório eletrocutada.
- Estamos chegando. - disse o homem.
Ele me entreolhou e continuou a falar.
- Você pode falar se quiser.
- Não quero morrer hoje. - cruzei os braços
- E não irá. Vou tirar você daqui.
Parei de andar e olhei para ele.
- Já esqueceu de mim? - o homem tirou a máscara branca revelando seu rosto.
- Cumberland? C-como? - eu queria espancar a cara dele.
- Tudo aquilo foi parte do plano, está tudo bem. Eu estava apenas te protegendo.
- Como ousa? Proteger? Você me prendeu nesse lugar, não faz ideia de como me senti todo esse tempo. - a raiva estava tomando conta do meu corpo.
- Se continuar a falar alto desse jeito, vai continuar presa aqui. Pare com isso, temos que sair desse lugar. - Cumberland segurou minha mão e foi guiando o caminho com pressa e atenção.
- É o lugar mais tosco. Qualquer um pode sair daqui sem ser peg... - antes que ele pudesse terminar a frase, quatro homens de branco apareceram no corredor e se posicionaram em frente às portas.
- Droga! Venha... - Nos escondemos nas paredes.
- O que fazemos agora? - sussurrei.
- Essa seria uma boa hora para você incendiar esse lugar. - Cumberland deu um sorrisinho.
- O que pensa que está fazendo? Não é engraçado, aliás, você ainda é meu criado.
- Quer parar de falar? Vai chamar atenção.
- Você estava dizendo besteiras até agora, isso não me impede de... - Cumberland tapou minha boca.
- Tem alguma coisa acontecendo. Escute! - ele sussurrou.
Fiquei quieta e ouvi gritos vindo dos corredores. Espreitamos a parede e vimos os homens de branco correndo para checar o barulho.
- Venha, rápido! - Cumberland pegou minha mão novamente e fomos em direção as escadas.
- Há apenas duas saídas nesse lugar, a do andar de baixo é mais segura, não tem tantos homens assim. - quando estávamos quase chegando nas escadas, cinco pacientes gritando apareceram correndo em nossa direção.
Cumberland me empurrou para trás e caímos no chão.
- O que está acontecendo? - perguntei
O alarme começou a tocar e era um barulho insuportável.
- Tem alguma coisa errada. Não faço ideia do que está acontecendo, mas temos que sair daqui agora!°
Descemos as escadas rapidamente.
- Aqui é onde fazem os tratamentos - eu disse - Há pessoas nas celas e alguns podem ser perigosos.
- As celas estão trancadas, não vão poder fazer mal. - Cumberland apontou a saída - Olhe! Está bem ali. Vamos!
Corremos pelo corredor com as celas e os pacientes que estavam presos começaram a gritar.
- NOS TIREM DAQUI!
- POR FAVOR
- EU VOU MATÁ-LOS
Cumberland tentou empurrar a porta.
- Mas que... - Cumberland socou a porta. - Está trancado!
- Temos que subir de novo e tentar a outra saída.
- Vão nos pegar!
- Este lugar está um caos. Tem alguma coisa acontecendo lá em cima, estão desesperados. Não vão nos notar.
- Espero que esteja certa, senhorita Lemaire.Fomos até o andar de cima e todos estavam em delírio.
Pacientes estavam correndo e gritando por todos lugares e os homens de branco, alguns, estavam com as roupas manchadas de sangue.
Muitos estavam machucados e outros estavam mortos.
- Meu Deus! - exclamei - Preciso encontrar Dóris e Pária.
- Myrrine, está maluca? Não temos tempo para procurar ninguém.
- Elas não merecem estar aqui! E não sabemos o que está acontecendo, não vou deixá-las para morrer. Eu já perdi muitas pessoas... - olhei nos olhos de Cumberland e segurei sua mão - Por favor...
Cumberland retribuiu com um olhar carinhoso e apertou minha mão.
- Tá... certo. - ele fechou os olhos e os apertou - Essa é a última vez que salvo sua vida.
- Você é meu criado, Cumberland. Seu dever é me salvar sempre. - dei um sorriso e corremos pelo ambiente escuro que cheirava a morte.
O barulho do alarme ainda soava forte por todo lugar, e as pessoas que ainda estavam vivas e tinham condições, corriam como lebres.Fomos ao quarto de Dóris e havia rastros de sangue até a porta.
- Ah não...! - abri a porta desesperada, mas lá estavam elas.
Dóris e Pária estavam abraçadas chorando.
- Myrrine! - Dóris exclamou.
- Vocês estão bem? - agachei-me até elas.
- Ele quer nos matar, My! - disse Pária aos tremores.
- Quem? - comecei a tremer - O que?
- O quadro - falou Dóris.
Olhei para Cumberland.
- Dóris, o que quer dizer? - segurei a mão dela gentilmente.
- Lembra do quadro na sala? Com a figura esquisita? - Dóris apertou os olhos vermelhos de choro - Um bicho saiu dele.
- Vim até aqui para pegar Dóris para fugirmos, mas quando saímos ele estava perto, ficamos com medo de sair daqui. - Pária enxugou os olhos.
- O que vamos fazer? - perguntou Dóris.
- Vamos sair daqui. - disse Cumberland.
- Eu preciso pegar uma coisa antes. - levantei-me.
A foto de Kennedy e Arletta com o bebê estava de baixo da minha cama, eu jamais poderia deixá-la para trás.
- My, é muito perigoso! Ele está por aqui. - falou Pária.
- Vocês tem que ir sem mim. Eu os encontro depois. - respondi
- Não pode ir sozinha, vou com você. - Cumberland foi para meu lado.
- Elas não podem ficar sozinha. Precisa ir com elas.
- Está tudo bem. Vou cuidar da Dóris, podem ir. Nos encontramos depois. - Pária me abraçou.
- Está pronta? - perguntou Cumberland.
Respirei fundo.
- Sim. Vamos.
E saímos de volta em direção a morte.°
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Dentro da Alma
HorrorMyrrine Lemaire é filha do pintor mais brilhante de toda França; Dimitri Lemaire. Ela vive em Avignon com ele e sua mãe; Arletta Lemaire. Os Lemaire são uma das famílias mais renomadas do vilarejo, mas Dimitri mostra-se como alcóolatra e adúltero;...