A Visita

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As tarefas no convento eram baseadas em cuidar do jardim, limpar os vidros da capela, limpar o dormitório e as camas, e ajudar na organização da Igreja. Eu comecei ajudando as irmãs a limpar os vidros. A capela não era grande, mas era linda e transmitia paz. Havia vitrais coloridos com imagens de anjos e santos por toda a parte. 

- Myrrine Lemaire, você tem uma visita. - disse uma moça que apareceu na capela para dar o recado.

Cumberland. Pensei. Ele iria viajar a Conway para me ajudar a encontrar a obra de Brahms, mas não imaginava que chegaria tão rápido. Mas, quando cheguei até o hall de entrada, não era Cumberland, e sim Victorine. O próprio Victorine Nicolette Apolon.

- Senhorita Lemaire! Estou tão feliz em revê-la! - Victorine esbanjou um enorme sorriso.

- Oi... O que está fazendo aqui? - respondi

- Fiquei preocupado. Depois de tudo o que aconteceu... Fui até Avignon mas você não estava lá. Então sua tia me disse que você estaria aqui. 

- Viajou tudo isso apenas para ver se eu estava bem? - aproximei-me dele

- Não está pensando em ser freira, está?

- Não. Só vim aqui para estudar catolicismo. 

- Ótimo. Quer dizer... legal você não ser freira, mas tudo bem se quisesse ser. Eu só... - ele coçou a cabeça de forma desajeitada e eu dei risada.

- Mas sério, por que está aqui? - perguntei

- Eu vim te visitar. Aliás, você me deve uma dança. Eu não sairei de Conway até você pagar o que me deve. - ele deu de novo aquele sorriso brilhante. 

- Você não pode me esperar aqui. E quanto ao seu trabalho? Seu pai? Terá que adiar nossa primeira dança. 

- Eu estou meio que trabalhando aqui. - ele disse com um tom irônico.

- Trabalhando em que? 

- Em cuidar de você. - Victorine segurou meu braço - Na verdade eu quero te perguntar se... - antes que ele pudesse terminar a frase, irmã Uta apareceu.

- O horário de visitar terminou. Vamos, Myrrine! Você tem aula agora.

Dei um último olhar de ''sinto muito'' a Victorine, ele correspondeu e sai. 

° 

Dois dias se passaram e Cumberland ainda não havia chegado. Eu tinha que começar a focar no real motivo de estar em Conway: encontrar a obra e ela só poderia estar em um lugar. Na mansão Brahms.

Na aula noturna, eu aprendi sobre a inquisição, mulheres acusadas de bruxaria cujo eram queimadas na fogueira e sobre todo tipo de heresia. Eu podia sentir o desespero e o medo de todos na sociedade daquela época, mas isso só me faz lembrar que nosso século não é diferente. Somos apenas um número, apenas mais um indivíduo, e ninguém se importa. Dimitri morreu e ele tinha influência sobre a Europa inteira, mas no fim, ninguém se importa com um a menos no mundo. Não importa quem você seja, os seres humanos são individualistas e se você não se proteger das maldades do mundo, ninguém irá fazer isso por você.

Sai da aula e eram 17:00hrs, o jantar ia ser servido ás 18hrs, mas eu tinha que ir a Mansão Brahms. Fui ao dormitório, coloquei um vestido azul marinho e soltei meus cabelos. Quando eu os soltava, sentia-me como uma personagem de ''O Vampiro'' de John Polidori, e eu adorava.

Quando sai do convento, uma neblina tomava conta do caminho. Conway era uma cidade pequena, mas se for andar a pé por ela, torna-se um lugar gigantesco.

Enquanto eu andava em direção a mansão, o vento rugia forte e ficava cada vez mais difícil de enxergar. A única coisa em que eu pensava, era em Victorine. O que ele iria me dizer afinal? Fui pensando nisso a caminhada toda e não percebi o que estava em minha volta: uma floresta. Tentei olhar em volta, contudo, eu não conseguia enxergar nada. Não devia ter vindo sozinha, pensei. Não se desespere, você sabe onde está . Infelizmente, eu não lembrava de ter uma floresta no caminho.

Coloquei minhas mãos na frente e comecei a andar rápido. O medo chegou. Então comecei a correr em desespero. Árvores passavam pela minha frente e eu tentava me desviar delas, isso quando eu as conseguia enxergar.

- Estúpida!!! - gritei - estúpida, estúpida, estúpida! - bati na minha cabeça com as mãos. Eu nunca iria encontrar uma saída de lá.

Ouvi um rangido.

- O que... é isso? - encostei-me em uma árvore próxima. - Alguém? 

Então apareceu um lobo. Um lobo muito irritado.

Tentei correr mas tropecei e bati a cabeça em uma pedra. Fiquei atordoada e antes que eu pudesse me levantar, eu desmaiei.

°

Acordei com minha cabeça doendo muito, mal conseguia abrir os olhos. Olhei em volta devagar e eu estava em uma cama enorme e confortável. Era um quarto com uma janela grande e havia seda em quase todo o quarto. Seda na cama, nas cortinas, e até mesmo no chão! 

Alguém abriu a porta e apareceu uma mulher baixinha e fofa.

- Por favor, não se levante, moça. Você não está boa da cabeça. Machucou-se seriamente no meio da floresta. Vou lhe trazer água e avisar o patrão que você acordou.

- On... Onde estou? - minha garganta estava doendo e queimando como o inferno. - putain - sussurrei, mas a  mulher ouviu.

- É francesa? O que estava fazendo na floresta sozinha? Não importa, descanse um pouco. - ela saiu do quarto.

Alouette, gentille alouette, Alouette, je te plumerai... - comecei a cantarolar e fechei os olhos.- Je te plumerai le bec, Je te plumerai la tête, Je te plumerai le cou... 

Abri os olhos lentamente e senti algo que eu não deveria estar sentindo. Eu sentia falta da minha mãe. Arletta havia me destruído nos últimos meses depois da morte de Dimitri, mas ela era a  minha mãe e eu a amava. Não sabia onde ela estava agora, e a única coisa certa é que ela demoraria a voltar para casa. Eu estou sozinha e não tenho mais ninguém.

Meus pensamentos foram interrompidos com a chegada de alguém no quarto. Olhei para a porta e não acreditei. Era John Brahms. Sobrinho e único herdeiro da fortuna de Kennedy Brahms.

- Myrrine Lemaire? - John foi se aproximando da cama.

Fiquei sem palavras. Eu estava na mansão Brahms. Não era para eu ter entrado lá desse jeito, mas pelo menos, agora era a hora de conseguir respostas e achar a pintura.

- O que estava fazendo na floresta? Já estava tarde. Meus criados a encontraram no chão machucada.

- Eu... estava vindo para cá. - respondi. Tentei levantar mas meu corpo doía por inteiro - Tinha um lobo...

- Não faça esforço... Bem, agora você está aqui. Há muitos lobos na floresta, sorte a sua por não ter sido devorada. - ele sentou-se na beirada da cama.

- Eu preciso voltar para o convento. A Madre... - engoli. Minha garganta e minha cabeça ardiam - vai ficar... furiosa. 

- Irei mandar um criado explicando sua situação. Terá que passar a noite aqui. Descanse, conversaremos pela manhã. - John se levantou e saiu.

°

Tive um pesadelo com a criatura. Nós dançávamos em um salão com milhares de quadros caídos no chão enquanto saia sangue dos meus olhos. Ela me segurou e sussurrou em meu ouvido: Encontre-me, ma cherie, está na hora.

Acordei assustada e ainda era de madrugada. Eu estava tremendo e suando. Levantei-me, peguei um candelabro e abri a porta do quarto. 

Estava na hora de encontrar a obra e acabar com a criatura.

Dentro da AlmaOnde histórias criam vida. Descubra agora