Capítulo 20

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Calam-se as cordas.
A música sabia
o que eu sinto.  

Jorge Luis Borges

Eu sentia medo.

Estava impotente diante da aparelhagem cirúrgica à minha volta e dos barulhos sinistros de algo cerrando o meu crânio.

Depois de uma conversa com Leonardo e os doutores, passei por um longo dia de exames e durante a madrugada estava ali, passando pela cirurgia de remoção do tumor.

Estava acordada!

Para que os médicos e a equipe observassem a evolução me pediram para falar, contar e até cantar.

− Estamos quase terminando, senhorita Stuart. – doutor Guimarães apareceu a minha frente, sorrindo.

Eu retribuo, sorrindo também, mas algo na expressão dele me assustou.

Tentei dizer algo, assim que ele saiu da minha frente, mas não sentia minha boca se mover.

Por mais que eu esforçasse, nada.

As lágrimas começaram a rolar pelo meu rosto e o pânico tomou conta de mim.

− Calma, senhorita.

Uma enfermeira segurou minha mão e pediu que eu respirasse profundamente.

Assim eu fiz e aos poucos fui me acalmando.

− Melody... nos fale um pouco sobre esta profissão maravilhosa que é a Musicoterapia...

Ouvi a voz do Doutor Bauher, mas eu estava receosa em falar. A enfermeira me incentivava segurando minha mão.

Eu queria falar... eu juro... mas não conseguia... só ouvia meus gemidos.

Passei a olhar para os lados e me agitar, a procura de Leonardo... mas ele não estava ali...

O doutor surgiu a minha frente com sua mão esticada, parecia me pedir para ficar quieta, mas eu estava em pânico.

Não os ouvia mais. Suas bocas mexiam, mas não ouvia nada.

No meu íntimo sabia que estava gritando.

Um choque me impulsionou.

Eu fugia no carro de minha mãe. As lágrimas atrapalhavam minha visão. As batidas do meu coração soavam em meus ouvidos.

Minha vida estava em ruínas. Eu vi o sinal fechar, mas a velocidade em que eu estava não me permitiu parar.

Um outro carro, pela lateral, bateu em mim, fazendo meu corpo flutuar.

Pelo menos era a sensação que sentia. Os estilhaços do vidro, minha cabeça batendo por todos os lados do carro rodopiando no ar, as luzes que se formavam diante dos meus olhos, pareciam flocos de neve.

Parei de contar quantas vezes rodei no ar, até parar completamente.

Tentei abrir meus olhos, tentei chorar, tentei me mexer, mas eu estava presa.

Todos os sons pareciam estar quilômetros de distância.

− Moça... moça... está tudo bem... logo vamos tirar você daí...

− Oh não... uma pessoa está morta no outro carro...

− O rapaz está vivo... parece bem...

− A ambulância está a caminho...

− Moça... aguente firme... o socorro já vem...

Minha cabeça estava doendo, meu corpo parecia feito de areia.

Outra voz se aproximou e com suavidade passou segurança, dizendo tudo o que eles fariam para me transportar ao hospital mais próximo.

Depois disso eu adormeci e acordei o que parecia fração de segundos.

Em meu íntimo lutava para expressar tudo o que sentia a cada visita em meu quarto, a cada choro, a cada insulto, a cada ameaça, a cada mentira... mas eu estava inerte e indefesa.

Sara e Paul Stuart

− Oh, meu Deus... filha... minha querida! – sua mão segurou a minha. – Você vai ficar bem, filha... eu prometo...

− Querida Melody... seu pai não vai sair daqui até você acordar... eu sinto muito, filha... eu... não suporto!

Os ouvi em soluços. Beijavam meu rosto, acariciavam meus cabelos.

− Sara, querida, vou pegar um café para nós e já volto.

− Vai sim, querido...

Assim que papai saiu do quarto eu ouvi o discurso insano da minha mãe.

− Melody... não sei se pode me ouvir... mas eu preciso dizer, tudo que está guardado dentro de mim, por todos estes anos. – ela soltou um longo suspiro. – Se eu pudesse voltar no tempo, filha... eu era uma adolescente boba, imatura e cheia de sonhos. Fui trabalhar para o senhor e senhora Mello como estagiária no escritório da empresa. Em pouco tempo o senhor Mello me promoveu a sua secretária particular... – um soluço. – Eu me apaixonei... estava perdidamente apaixonada pelo meu chefe e ele se aproveitou da minha inocência. Me prometeu que ia se separar da Miriam e viajaríamos o mundo juntos. – ela riu. – Que ingênua, não?! Miriam descobriu tudo e ameaçou acabar com nossas vidas e principalmente com a carreira dele. E sabe o que aconteceu? Ele escolheu a ela... a ela... – disse em alta voz. – Eu estava grávida! Ele soube... Miriam soube... – ouvi seu choro ao meu lado. – Me fizeram uma proposta... eu daria meu filho para eles em troca de dinheiro. – senti-a levantar-se. – Eu não aceitei! É claro! Mas aquela gente sórdida tinha tudo planejado. Seu pai apareceu na minha vida, enquanto estava jogada na sarjeta... Melody... – ela voltou a sentar-se. – Não culpe seu pai... ele me socorreu no momento mais triste da minha vida! Paul era sócio da empresa Mello... ele tem um coração bom, ele é gentil, amável. Para que eu não fosse difamada, me propôs casamento, mesmo eu sabendo da sua condição e do que isso implicaria na sua carreira. Eu aceitei, mais por vingança do que por gratidão. Infelizmente, não pude ficar com meu filho... até hoje sofro as consequências por tê-lo deixando para trás. – ela chorou, e depois riu segurando minha mão novamente. – Mas fui agraciada por ter você, filha... seu pai e eu a adotamos, pois após o parto eu tive rompimento das trompas, então não poderia mais gerar filhos. Seu pai, bem... seu pai e eu não nos relacionamos fisicamente... um dia, quem sabe... ele te conte tudo, filha. Só quero que saiba, que eu a amo... amo muito!

Por dentro eu me derramava em lágrimas.

Quem era minha mãe?

Quem era Sara Stuart?

Quem eu era?

Notas de Esperança (Completa)Onde histórias criam vida. Descubra agora