"Se eu não te amasse tanto assim
Talvez não visse flores
Por onde eu vi
Dentro do meu coração"(Ivete Sangalo)
− Que foi, menino? Parece que viu um fantasma?
Mamãe apoiava sua xícara no pires em seu colo, enquanto Melody mantinha um olhar de "por que demorou tanto?".
− O que faz aqui, mamãe?
− Por um acaso, devo alguma explicação para visitar meu próprio filho, meu próprio apartamento? – seu semblante continuava altivo.
− Já lhe disse, que este apartamento...
Ela levantou-se abruptamente.
− Blá, blá, blá... ora meu filho, em breve não precisará mais deste apartamento, não é? – picou-me.
Olhei para Melody que transmitia várias indagações, somente pelas suas expressões.
− Do que está falando, mamãe?
− Ora, meu amado filho... Áustria o espera não?!
Mamãe, quando precisava agir com maldade ela era especialista.
Melody também se levantou.
− Quando pretendia me contar? – foi logo me acusando. – Cansei de ser feita de trouxa por você e sua família perversa.
Sua voz estava embargada. Mamãe a olhou com desdém.
− Mas que ingrata...
− Mamãe! – a repreendi. – Mel... soube desta notícia agora, com meu amigo Rafael... lembra que fui me encontrar com ele? E você, mamãe? Como soube?
Percebi um riso irônico em seu rosto.
− Seu amigo ligou em casa atrás de você e me deu parabéns pela sua conquista. Por isso, estou aqui também, para lhe dar parabéns pessoalmente. Sinto, por Melody... pobrezinha... mas, não se preocupe criança, seus pais a esta hora estão voando para cá. Como puderam esconder deles a sua doença?
− Cale-se, mamãe.
Melody correu escada acima.
− Quando descermos espero não vê-la mais aqui. – disse entre dentes.
Minha mãe conseguia estragar tudo.
Antes que Melody fechasse a porta, a interpelei.
− Não... não faça isso... será que não foi o bastante para vocês? – desta vez em lugar do choro, ela trazia um olhar vazio e cansado.
− Eu mereço tudo isso que está acontecendo Mel. – admiti e isto a fez me encarar com curiosidade, então continuei: − Entendo que é difícil confiar em mim, ainda mais com minha família atrapalhando, mas eu lhe peço Mel, me dê um voto de confiança, por favor.
Ela me puxou para dentro do quarto.
− Tudo bem, Leonardo. Estou ouvindo.
Suspirei aliviado, com a oportunidade de explicar.
− Recebi a notícia hoje de que ganhei uma bolsa de estudos na Áustria, por um doador anônimo. – passei os documentos para que ela visse.
− Daqui a três meses? – ela ergueu seus olhos dos papeis em sua mão, depois de analisá-los.
− Eu sei... – sorri, mas meu sorriso logo se desfez.
− Parabéns! – me entregou os papeis e pegou sua mala de viagem, depositando em cima da cama.
− O que vai fazer?
− Parece obvio, não? Vou voltar para Curitiba e esperar pelos meus pais, que devem estar surtando dentro do avião.
− Vou com você...
− Não! Eu tenho que enfrentá-los sozinha e você tem uma viagem para organizar...
Desta vez eu vi as lágrimas que ela até então segurou.
− Mel... não farei esta viagem sem você...
− Fará... é o seu sonho... – ela parou de colocar suas roupas na mala e segurou minhas mãos. − Sei o quanto esta conquista é importante para você, Leo.
− Não mais que você, meu amor. Depois que a reencontrei e percebi a besteira que estava cometendo em te perder novamente... Mel, eu fui um perfeito tolo, em não perceber o quanto eu ainda a amava, o quanto minha vida não fazia sentido sem você! Agora que eu a tenho, bem aqui na minha frente e posso vê-la. – toquei seu rosto delicado, enxugando suas lágrimas e isso a fez dar um pequeno sorriso. Sorri também. – Estava preparando um momento especial para isso, mas percebo que momentos especiais não dependem de lugar, nem de jantares a luz de velas, nem de um quarteto de violinos... – ajoelhei-me a sua frente e estendi a caixinha com uma aliança de brilhantes delicada, que havia comprado minutos antes de voltar para casa. – Melody Stuart, quer se casar comigo e envelhecer ao meu lado?
Ela colocou suas mãos na boca e entre lágrimas disse o "sim" mais esperado da minha vida.
− Sim... sim... sim... senhor, Leonardo Mello.
A tomei em meus braços e nos beijamos com ardor. A rodopiei no ar, tamanha era minha felicidade.
− Sou o homem mais sortudo deste planeta.
− E eu a mulher mais feliz deste universo. Eu o amo!
− Eu a amo, minha futura esposa, minha rainha, meu lar, meu porto seguro, minha amiga...
As palavras perderam as forças quando voltamos a nos beijar intensamente.
Todas as minhas esperanças de vida voltaram, assim que me permiti perdoar-me, assim que Melody me perdoou. Sinto-me vivo, sinto-me outro homem.
Nunca fui religioso, mas naquele momento sentia Deus me abraçando e me dando uma nova chance.
Neste mesmo dia, com o consentimento dos médicos, voltamos para Curitiba no cair da noite.
Deixei Melody em seu apartamento e fui para casa. Precisava resolver alguns detalhes e uma delas estava naquele quarto que por muito tempo nutri uma vingança cega.
Mamãe havia ficado em São Paulo, o que era tudo que precisava.
Os pais de Melody chegariam logo cedo e combinamos que ela iria sozinha recepcioná-los.
Fiquei um bom tempo ao lado do meu piano, ensaiando entrar naquele quarto, mas eu precisava seguir adiante, uma nova vida, com a mulher que amo e meu sonho se realizando.
Lembrei-me do dia em que Melody surgiu na sala e tocou com seus dedos delicados as teclas do piano.
Foi à cena mais tocante, sentia meu coração pulsar forte dentro do peito, por sentir raiva e um sentimento estranho naquele momento, que agora sabia que era amor. Eu ainda a amava, depois de tantos anos.
Ela estava linda, apesar de poder ver apenas seu vulto esbelto. Sabia que era ela, conhecia seu perfume suave de flores que eu tanto amava.
Respirei fundo e entrei no quarto.
Tudo estava empoeirado e cheirando a mofo, devido estar a muitos dias fechado. Ninguém mais tinha a chave, somente eu.
As imagens de jornais grudadas nas paredes sobre o acidente, agora não faziam mais sentido algum. Era um passado obscuro que queria apagar.
Passei a arrancá-las da parede com toda minha energia, mas me detive em uma foto um pouco mais recente e que até então não havia me chamado tanta atenção.
Dei alguns passos para trás, e senti o sangue sumir das minhas veias.
Meu estomago passou a doer e num reflexo peguei o lixeiro e vomitei.
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Notas de Esperança (Completa)
Fiction généraleMelody Stuart, uma musicoterapeuta, não imaginava que a sua vida mudaria drasticamente, depois de conhecer seu possível cliente, Leonardo Mello: um maestro, pianista e cego. Ela vê nele um grande desafio em sua carreira, mas o primeiro encontro frus...