Capítulo VIII

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They say we are what we are, but we don't have to be
[Eles dizem nós somos o que somos, mas nós não temos que ser]

(Immortals - Fall Out Boys)


- Certo, - falou a mulher - isso não é assunto para agora. Se irá ficar, mesmo que apenas um pouco, imagino que queira um lugar para dormir. Venha, vamos.

A acompanhei novamente. Dessa vez, fizemos o caminho oposto ao que tínhamos feito antes. No entanto, quando chegamos aos dois grandes prédios, ao invés de irmos até o que estávamos, fomos para o maior.

Essa construção se tratava de um prédio oval com o interior aberto. Desse modo, a construção ficava como uma grande muralha em volta de um imenso jardim de grandes árvores. De onde estávamos, era possível ver as centenas de portas em todos os dez andares que contei.

- Vamos, os dormitórios das fadas ficam nos últimos andares. Afinal, não temos que subir escadas, não é mesmo?

Ao dizer isso, suas asas se materializam. Percebi então que seria o momento de aprender a voar e um frio tomou minha barriga.

- Eh... Acontece que... Eu não sei voar...

- Não se preocupe, é muito simples. - Ela parou uma pessoa que aparentava ser pouco mais velha que eu e passava ao nosso lado. - Vanessa, lhe apresento Samuel Yagami, instrutor de voo.

Estendi a mão em resposta ao movimento dele para cumprimentá-lo.

Päivi falou algo que não pude compreender, já que, apesar de meu palpite ser japonês por causa do meu mísero conhecimento adquirido vendo animes, não sabia em que língua estavam conversando. Seguidamente, o outro respondeu em um português carregado de sotaque.

- Sim, sim. Acho que vai funcionar. - Ele se aproximou de mim. - Com licença. - Ele colocou as mãos sobre meus ombros. - Aqui, endireite as costas, relaxe os ombros... Respire... Sinta suas escápulas... Agora sinta essa extensão que elas possuem... Sinta suas asas... Tome consciência delas... Respire...

Poderia dizer que me perdi na parte de relaxar os ombros, mas talvez tenha sido um pouco antes. Me sentia fazendo um exercício de coordenação em que meu cérebro já havia compreendido, mas que meu corpo não conseguia reproduzir o pensamento.

Sentia minhas escápulas, assim como tinha consciência de minhas asas. Porém, não era como se pudesse controlá-las.

Fechei os olhos. Respirei fundo. Movimentei meus braços para recordar qual é a sensação de mexer conscientemente um membro. Segui a mesma sensação até às costas. Dessa forma, uni o movimento que fiz com os braços de jogá-los para baixo em um impulso e a intenção de fazer o mesmo com as asas.

No instante seguinte, senti meus pés se separarem do chão de maneira violenta. Do mesmo modo, sentia o vento batendo em meu rosto com tanta força aponto de dificultar minha respiração.

Com imensa dificuldade, abri os olhos. Ao meu redor havia nuvens e um frio absurdo. Abaixo de mim, um ponto verde se destacava no azul brilhante. Gelei.

Aos poucos, fui perdendo velocidade até parar. Logicamente, após isso, comecei a cair.

A sensação de cair, por mais que fosse mais desesperadora, era mais confortável, já que estava caindo de costas, o que consequentemente piorava meu desespero.

Repentinamente, perdi completamente a consciência que tinha das minhas asas, como se elas já não estivessem mais ali. Quando olhei para os lados, não pude vê-las em lugar nenhum.

Meu coração disparou em meio aos batimentos já acelerados. Agora não haveria nenhuma chance de eu conseguir controlá-las para pousar de volta.

Estava pronta para iniciar um fluxo de pensamentos sobre o que aconteceria se eu morresse, no entanto, senti um impacto fraco, comparado ao que seria colidir com o chão, e não pude prosseguir com a reflexão.

Senti braços passando por debaixo dos meus para me segurar. Uma figura humana apareceu na parte de cima do meu campo de visão e demorei para reconhecer o homem instrutor de vôo.

Ele movimentou os lábios, porém não pude compreender o que ele havia dito devido ao barulho do vento. No entanto, senti que aos poucos ia diminuindo a velocidade.

Lentamente, a resistência do ar ia diminuindo e eu deixava de estar numa posição paralela ao chão para passar para uma perpendicular. Dessa forma, chegou um ponto no qual era possível que eu visse o chão que se aproximava devagar.

Quando finalmente cheguei ao lugar onde estava minutos atrás, já não era somente Mäkinen que me esperava, mas sim um grande grupo de pessoas que disfarçou mal a observação que estavam fazendo.

Meu coração estava acelerado e meus pensamentos não eram claros a ponto de quase me esquecer de agradecer Samuel. Porém, quando me virei desajeitada para trás, devido ao peso que já não carregava, vi o homem com o semblante franzido no qual não sabia identificar se demonstrava medo ou fascínio.

- Eh... Obrigada. - Falei por fim.

Ele respondeu com um aceno de cabeça e foi até Päivi. Após uma conversa breve, ele se afastou lançando alguns olhares para trás de tempos em tempos. Dessa forma, a Líder das Fadas, se aproximou de mim, com o rosto sério.

- O senhor Yagami me disse que quando a encontrou estavam a cerca de quinze quilômetros de altura e que fazendo as contas, você provavelmente chegou perto dos vinte. - Ela fez um breve silêncio. - O mais alto que uma fada já chegou foi vinte dois quilômetros de altura e ela havia se preparado a vida inteira para fazer isso. - Fez novamente uma pausa. - Sabe o que isso significa?

Eu não respondi. Não imaginava o que dizer.

Ela colocou a mão no bolso e retirou uma pulseira a qual me entregou.

- Aproxime essa pulseira da fechadura da porta e ela irá abrir. Nela também está escrito o número do quarto e o andar em que ele fica.

Dizendo isso ela se virou para ir embora.

Eu olhei a pulseira na qual estava escrito 10-2020. Em seguida olhei para cima e precisei perguntar:

- O meu fica no décimo andar?

A mulher parou e respondeu sem olhar para mim:

- Sim.

- E... Como eu chego lá?

- Voando.

Eu não respondi de imediato, afinal não tinha certeza se havia escutado direito.

- Eu não sei se ficou evidente, mas me parece que não é uma boa ideia eu tentar voar. - Esperei a resposta que não veio, então continuei. - Não existe... Sei lá... Um elevador ou algo do tipo?

Päivi se virou para me encarar.

- Senhora Dante, deixe-me lhe explicar a organização desse local. No primeiro andar, ficam os sereianos, já que não são os melhores no quesito andar. No segundo, terceiro e quarto, ficam os metamorfos, que conseguem chegar aos seus dormitórios de vários modos. No quinto e no sexto, ficam os salamandraes, e salamandraes pulam. No sétimo e no oitavo, ficam os nanterais e eles usam as árvores grandes para chegarem lá. No nono e no décimo, ficam as fadas, e fadas voam.

Ela se virou novamente e voltou a andar.

- Então como eu chego lá? - Perguntei em volume mais alto.

Ela apontou para sua esquerda.

- Escadas.

Desistindo de qualquer prolongação na conversa, me dirigi às escadas e comecei minha longa jornada.

A Ilha - As Crônicas dos Nianders Vol. IOnde histórias criam vida. Descubra agora