Clarisse
Acordo de manhã e decido tomar o pequeno-almoço. Vou até ao quarto de Amelia e bato à porta.
-Acorda dorminhoca! Tens que ir para os laboratórios, já está na hora – não obtive resposta durante uns segundos e decidi abrir a porta. Entrei no quarto e reparei que ela não estava na cama, sendo que esta estava aberta, com os cobertores desmanchados, o que significa que ela dormiu em casa. Será que saiu mais cedo e não dei por ela?
Ignorei o estranho e voltei à minha rotina normal. De certeza que ela está bem, apenas deve ter saído mais cedo de casa.
Tomei o pequeno-almoço, um café com umas torradas, vesti-me e apanhei o meu longo cabelo loiro num ápice, visto que já estava a ficar atrasada para chegar à faculdade de direito.
Estava prestes a sair de casa quando o telefone toca. Dou uma corrida até ao mesmo e verifico o número, um número que não conheço e atendo.
-Estou?
-Bom dia, é da residência de Amelia Janson?
-Sim... – fiquei em alerta.
-Daqui fala dos laboratórios Scintillam. Quem fala?
-Eu sou uma amiga da Amelia, Clarisse. Está tudo bem?
-Temo que não – ao ouvir esta frase o meu coração parou por um momento – será que podia passar aqui nos laboratórios para comversarmos?
-Claro, vou já para aí – desliguei o telefone e dirigi-me para os laboratórios, na minha bicicleta.
Quando cheguei, fui até à receção e já sabiam quem eu era. Deram-me um cartão de visitante e fui até ao terceiro andar, onde me mandaram ir. Deparei-me com uma pequena sala com cadeiras e um corredor com diversas portas, poucas, apenas algumas. À minha frente avançava um rapaz de bata vestida, apresentava cabelo encaracolado ruivo, sardas que se podiam notar a uma larga distância, e uns óculos que completavam o seu estilo.
-Bom dia – ele estendeu-me a mão.
-Não está a ser muito bom - retribui-lhe o gesto, enquanto a frase me saia da boca, com um sorriso triste – desculpe, mas estou preocupada.
-Eu entendo. Não tenho boas notícias – ouvi, atentamente, enquanto uma mistura de sentimentos me invadia. A preocupação e um nervosismo negativo pelo que possa ter acontecido com Amelia, e outro tipo de nervosismo que nem eu sei explicar, nem sei porque o estou a sentir – esta noite a Amelia deu entrada aqui no hospital dos laboratórios. Não é uma zona muito desenvolvida ainda, não tínhamos equipa suficiente à hora do acontecimento e houveram complicações. Mas foi a sua melhor hipótese estar aqui connosco e deixar que Jackson tratasse dela. É o...
-Eu sei quem é! Mas o que me está a querer dizer? – perguntei com a voz trémula.
-É complicado de explicar, nós próprios temos dúvidas sobre a origem do problema, mas a verdade é que a Amelia está em coma, lamento. Estamos a fazer tudo ao nosso alcance para cuidar muito bem dela aqui e como lhe disse nós somos a sua melhor hipótese.
Fiquei em choque, senti toda aquela notícia cair em mim como um trovão. Lágrimas começaram a formar-se nos meus olhos. Encostei-me a uma parede e pensei em tudo. A amizade que tenho com Amelia, em tudo o que ela já passou. Ela não merecia isto.
-Posso vê-la? – perguntei, com dificuldade em segurar as lagrimas.
-É claro. Tenho só uma pergunta antes de ir – assenti em afirmação – há mais alguém que eu possa contactar? Alguma família? Estive a procurar nos ficheiros dela, mas é tudo muito reduzido, só consegui o contacto da residência.
-A Amelia não tem família, pelo menos nenhuma que conheça – disse, com um nó na garganta.
-É o quarto número 7, pode entrar.
-Obrigada – agradeci e dirigi-me ao quarto, passando por várias pessoas com bata, nos corredores, médicos, cientistas talvez. Só sei que não conseguiram fazer com que a minha amiga ficasse bem, e agora ela está em coma. Como? Como é possível?
Entrei no quarto e vi-a deitada numa cama, ligada a fios e máquinas. Detesto vê-la assim. Nem acredito no que aconteceu. Cheguei-me ao pé da cama e fiquei a olhar para ela, em silêncio durante alguns minutos.
Quando saí deparei-me com o rapaz com quem falara anteriormente. Fi-lo parar o seu caminho, queria conversar, saber de tudo, o motivo do acidente, o que acontecera entretanto e principalmente, porque não conseguiram fazer mais nada. Ele concordou e dirigimo-nos ao bar do estabelecimento.
-Afinal o que lhe aconteceu? – perguntei, ao sentar-me numa cadeira perto de uma mesa.
- Ela teve muita sorte. Muita mesmo. Tudo começou na noite anterior. Nós vimo-nos ontem à noite, pelos vistos ela não conseguia dormir, foi dar uma volta e os nossos caminhos cruzaram-se, por acaso.
-Não dei por ela sair a meio da noite – constatei um facto.
-Ela não parecia estar muito bem, mas ela disse que ia para casa e então despedimo-nos. No entanto, acabei por encontrá-la desmaiada na rua. Trouxe-a para aqui o mais rápido possível – percebi a tristeza do rapaz a falar, que pelo cartão na bata se chama Charlie – eu já a conhecia, eu estava a guiar o estágio dela aqui nos laboratórios. Quando cheguei com ela, eu e Jackson percebemos que a melhor hipótese dela era ficar connosco, ele fez um ótimo trabalho com ela.
-Ótimo trabalho? Ela está em coma, isso não me parece ótimo – respondi, exaltada.
-Se calhar não usei as palavras corretas, mas dada a gravidade do problema, acredite em mim, ela não sobreviveria num hospital normal. Dado este acontecimento estamos a fazer os impossíveis para aumentar a equipa de medicina aqui nos laboratórios e vamos estipular um horário noturno. Era uma zona não muito desenvolvida, nunca ninguém havia precisado – Charlie soltou um breve suspiro.
-Mas o que é que ela tem? Ou tinha? Qual era o problema?
-Ainda estamos a investigar, mas encontrámos um dispositivo de origem desconhecida no organismo dela. Nunca vimos tal coisa, e pelo que parece aquela coisa fez curto circuito, estragou-se, se quer que lhe diga, nem sei bem. Temos que investigar mais, mas quando o retirámos já estava bastante degradado e tantas ondas de energia num organismo humano, ao mesmo tempo, deixam estragos. Agora ela está em coma, foi o melhor que conseguimos fazer, mas eu prometo que ela vai acordar – terminou o seu discurso colocando a sua mão sobre a minha, em sinal de apoio. Senti-me a corar por momentos, mas afastei aquele sentimento.
- Então ela está em boas mãos. Eu vou tentar vir cá visitá-la o mais possível.
-Claro que sim! E será bem vinda, os contactos emocionais e sentimentais são muito importantes em situações com esta.
Despedimo-nos com um aperto de mão e saí. Decidi ir à escola ainda nesse dia para me distrair, mas todos os dias irei visitá-la. Todos os dias!
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Com Amor, Amelia
Science Fiction"Era como uma prisão quando estava sozinha, presa no meu próprio corpo. Mas quando a sua voz se fazia ouvir, eu consegui, finalmente, dormir. E ao descansar, aproximava-me cada vez mais do grande momento, o momento em que acordei."