XV

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Charlie

Achei um pouco estranho este telefonema da Clarisse, mas de uma coisa tenho a certeza: não lhe vou fazer a vontade de lhe contar a verdadeira razão de a Amelia estar em coma. Não posso, simplesmente, contar algo confidencial para pessoas de fora, principalmente, porque ainda não descobrimos a origem do chip. Nem sei se iremos descobrir tão cedo. Assim,vou ter que mentir à Clarisse, tem que ser. Ela até parece ser boa rapariga e preocupa-se muito com a Amelia, mas há algo que não me deixa confiar nela. Não posso correr riscos.

Assim que chego a casa decido tomar um banho, visto que tenho que passar, às oito, em casa da Clarisse. Quando saio do banho recebo um telefonema de Jackson, que disse que precisa de mim nos laboratórios a fazer um turno de um colega nosso, na zona médica. E como o Jackson manda, eu não posso sequer falar-lhe da minha indisponibilidades esta noite. No entanto, agradeço-lhe imenso por me chamar a mim, que não apreciava nada este jantar. Bem, só me resta ligar à Clarisse.

Chamada ON

-Olá Charlie – ela inicia a conversa, com uma voz doce.

-Hey, Clarisse, receio ter más notícias.

-A sério? Então?

-É que o meu patrão acabou de me ligar para eu fazer um turno esta noite de um colega que está a faltar, logo não vamos poder jantar. Desculpa, eu não previa isto – respondi, com meia sinceridade.

-Não faz mal – disse, depois de um suspiro triste – não podias prever mesmo! Fica para outro dia, então?

-Sim – respondi, duvidoso. Não quero este jantar…

-Ótimo! Então na sexta-feira achas que te dá jeito? Achas que nenhum colega teu vai faltar nesse dia?

-Parece-me bem, se nenhum colega meu decidir faltar – disse, dando uma leve gargalhada.

-Então combinado! Beijos, até amanhã.

-Adeus.

Chamada OFF

Jantei uma salada rápida e fui, imediatamente, para os laboratórios. Ao lá chegar sou interpelado pela Felícia, que fazia o seu caminho de saída.

-Hey – cumprimentei-a, com um sorriso.

-Olá, Charlie. Tudo bem? – ela perguntou, com um olhar cansado.

-Podia estar melhor. Já acabaste o teu estágio por hoje?

-Sim, vou para casa agora. Já passei pelo quarto da Amelia, deixei lá umas flores. Deixei rosas vermelhas, ela adora.

-Fizeste bem- respondi, com um sorriso triste.

-Só espero que ela melhore. A sério, não aguento vê-la assim.

-Eu também não...

-Bem, vou indo – respondeu, com os olhos molhados, tentando ignorar o facto de a sua amiga estar no estado em que está.

-Sim, vai descansar. Boa noite!

-Boa noite - ouvi-a dizer, já seguindo o seu caminho.

Eu segui o meu e dirigi-me à ala médica. Passei por uns pacientes, há uma senhora que eu, realmente, gosto muito, já tem uma certa idade e a maneira de ser dela faz-me lembrar a minha avó que partiu há alguns anos. Não foi fácil, visto que passei a minha vida inteira com ela por perto. Sempre ajudou os meus pais e esteve sempre lá para mim, nos meus piores e melhores momentos, era a minha confidente, dava-me os melhores conselhos. E esta senhora também gosta muito de mim, pelo menos é o que transparece. Adora quando sou eu a fazer o turno e mal posso esperar por ver o seu sorriso quando entrar pela porta do quarto dela. Chama-se Ivone e está a fazer tratamentos para o cancro.

Entro no seu quarto e, como previa, os seus olhos brilham e um sorriso se revela.

-Boa noite, dona Ivone.

-Olá meu querido! Não estava à tua espera – respondeu com uma voz doce.

-Houve uma mudança de última hora, graças a Deus.

-Olha querido eu não acredito em Deus, mas de facto foi uma boa mudança. Sabes que és o meu preferido – disse, num tom de brincadeira.

Respondi com um sorriso e aproximei-me com o que precisava para lhe fazer o penso. É que a sua doença já estava avançada e chegou à pele. No entanto, à medida que os dias passam a sua ferida parece melhorar.

-Estás muito sério hoje – Ivone constata a certa altura.

-Estou só cansado. Foi um dia longo.

-Eu conheço esse olhar rapaz, que rapariga é que te desiludiu? – perguntou, enquanto eu finalizava o penso.

-Não me desiludiu, dona Ivone – respondi, sentando-me numa cadeira à sua frente.

-Então qual é o problema? Porquê esse ar triste?

-É que ela não melhora…

-Mas está doente?

-Está num dos quartos mais ali à frente no corredor. Está em coma.

-Lamento muito, mas tenho a certeza que ela vai melhorar. Vou zelar por isso.

-Muito obrigada! Ficava a noite toda a falar consigo, mas tenho mais quartos para visitar. Tenha uma boa noite.

-Boa noite, meu querido – disse, sentada na sua cadeira, com um cobertor sobre si.

Saí do quarto e dirigi-me ao seguintes. Passadas duas horas, a ronda estava completa e fui até ao quarto de Amelia.
Encostei-me à sua cama e olhei para o seu rosto adormecido e pálido. Toquei na sua mão e dei-lhe um demorado beijo na testa. Sussurrei, inconscientemente, ao seu ouvido, um: gosto de ti. E não foi apenas um, foi o, porque tenho a certeza que não irei gostar assim de mais ninguém. E não sei porque me sinto assim… Mas, a verdade é que sinto. E não o vou esconder.

Enquanto andava enrolado nos meus pensamentos, algo chama a minha atenção. Sinto a mão de Amelia a mexer, fazendo um leve movimento com o seu dedo indicador esquerdo.

Carreguei, de imediato, num botão perto da sua cama que alertava Jackson que algo se passava. Comecei a observá-la, verifiquei os seus sinais vitais. Parecia-me tudo normal e Jackson entra pela porta, apressado.

-O que aconteceu? – perguntou, aproximando-se dela, realizando os mesmos processos que eu fizera, anteriormente.

-Ela mexeu um dedo. Fez um movimento – digo, esperançoso.

-Parece-me tudo normal, Charlie. Não vejo alterações na sua frequência cardíaca. Pode ter sido um mero movimento muscular, estão sempre a acontecer.

-Eu sei – respondi, desiludido.

-O que é que se passa? – Jackson perguntou, olhando, seriamente, para mim. Em forma de resposta, apenas libertei um suspiro, sentando-me de seguida na cadeira posicionada ao lado da cama de Amelia.

-Apenas pensei que pudesse ser um sinal.

-Charlie, nós não sabemos quando é que ela vai acordar, lamento. Pode ser a qualquer momento. Pode ser amanhã, ou daqui a alguns anos o que poderá trazer problemas. Tu sabes disto. Ainda mais a situação dela é imprevisível.

-Eu sei, eu sei disso tudo – disse, levando as mãos à cabeça.

-Eu sei que gostas dela… e sei que não tens andado bem. E eu sou teu patrão, mas também sou teu amigo e vou dar-te um conselho.

-Algo me diz que não vou gostar - recostei-me na cadeira.

-Se gostas dela, espera. Mas não esperes muito tempo, que nunca se sabe se ela poderá sequer chegar a acordar. Quando sentires que é altura, segue com a tua vida. Estou a ser o mais sincero possível.

Ouvi estas palavras e observei Jackson a sair do quarto. Olhei para Amelia e fiquei assim, estático, por mais algum tempo.



Com Amor, AmeliaOnde histórias criam vida. Descubra agora