"A.M.A.R - As Melhores Amizades Resistem?" | Henggo

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Ler livro de Henggo, "A

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Ler livro de Henggo, "A.M.A.R - As Melhores Amizades Resistem?", me exigiu como leitor. E sempre que isso acontece eu passo a olhar a obra e o seu autor com outros olhos.

De início torci a boca para a narração. O primeiro capítulo é narrado como um jogo de futebol: com o ritmo e a devida empolgação de um locutor a transmitir a partida final de um campeonato. Interessante, divertido até, mas, numa primeira leitura, me pareceu pouco funcional.

Admito que a narração gerou na história um clima de malemolência, uma ginga no ritmo que se conectava com os protagonistas e o contexto, mas de alguma forma ela suplantava também o que de melhor havia no livro: os personagens. Tanto que Henggo escolhe muitas vezes nesse primeiro capítulo uma voz passiva e passividade não é algo que satisfaça um protagonista como Grude.

Personagens tão crus e, por conseguinte, tão reais, imploravam por uma certa imparcialidade do narrador, uma certa submissão a eles. Que a luz estivesse sobre os protagonistas, não sobre o narrador.

A opção por essa estética narrativa sacrificou também o cenário que, caso fosse muito detalhado, quebraria o ritmo do livro. Por conta de algumas poucas frases, os primeiros capítulos de Henggo escaparam da síndrome do quarto branco, onde personagens se apresentam num cenário quase inexistente, sem relevância para a história.

O segundo capítulo traz o narrador mais tímido que no primeiro. Já que ele não narra uma partida de futebol, mas continua a oscilar entre um Narrador Onisciente e um Narrador Personagem (conceitos que expliquei na resenha anterior, do livro "Lua Vermelha"), pois ele não se limita a revelar os pensamentos e sensações dos personagens, como também em julgá-los.

Foi então que em dado momento do capítulo um estalo me veio.

Henggo contava uma história por meio de crônicas.

Os sinais eram muitos.

Crônicas se interessam pelo cotidiano, por revelar a grandiosidade existente no ordinário. E raramente vi personagens tão palpáveis quanto os de Henggo. São os detalhes que os tornam reais. É a forma como Grude avalia o amigo, antes de chutar a porta do armário para intimidá-lo. Como ele tem orgulho da força do próprio golpe. É o maço de cigarro de Emiliana, com aviso contra a impotência sexual, que lhe garante mais algumas tragadas no dia. É a cobrança do pai acompanhada de um "Deus te abençoe" que dão energia aos personagens.

Traços tão particulares, mas ao mesmo tempo tão comuns, que criam a impressão de que Henggo pinçou pessoas nas ruas, nos bares, nas escolhas, e as jogou em seu livro.

As crônicas também não se importam muito com o cenário, não perdem muito tempo com o sentimentalismo barato. Preferem a objetividade das ações dos seus personagens. 

O segundo capítulo do livro me pareceu atos de uma peça de teatro. Escuridão no palco, o narrador introduz os personagens. Luz nos protagonistas, diálogos e conflitos. Cenas curtas, com um clima bem estabelecido.

E foi enxergando as cenas de Henggo como crônicas, que o narrador parou de me incomodar e ganhou destaque para mim. Pois é ele a salpicar toda a história com humor. Humor que raramente falta numa crônica nacional.

É o narrador que zomba da macheza ciumenta de Grude ao narrar suas ações como uma partida épica de futebol. Por que levar a sério um moleque marrento, que se acha durão, mas que mal se aguenta por não ser amado?

O narrador não só debocha de Grude, mas de mim também, que levei tão a sério o protagonista a ponto de dar credibilidade às suas birras.

E, percebendo minha predisposição para me submeter aos personagens, o narrador me avisou logo sobre os perigos de se apaixonar por Raissa.

Mas avisou tarde. Eu já havia me apaixonado. E não só por ela, mas por Caetano e sua indulgência sexual, e por Emiliana e sua urgência pela comodidade.

Aqui faço uma confissão. O errado fui eu em implicar com o narrador.

Se chego à essa conclusão é unicamente pelo talento do escritor. Foi Henggo a me jogar em alto mar, num balanço entre amor e ódio em relação ao narrador e a forma como ele julgava, agora, "meus" queridos personagens.

Arrancar tantas emoções de um leitor requer competência. É saber induzir o leitor sem que ele se sinta manipulado. É saber que peças tirar do quebra-cabeça para que o leitor possa completá-lo com suas próprias peças.

E só se alcança isso com esforço e experiência. Apenas com dedicação que o escritor consegue encontrar as arestas em seu texto, em sua história. Todas as peças em excessos que não fecham o quebra-cabeça.

Não é tarefa que se consiga de uma hora para outra.

Um grande erro de muitos escritores amadores é confiar demais no talento, na intuição, e pouco no trabalho duro. Vasculhe os rascunhos dos grandes escritores nacionais e veja o quanto eles rasuravam, o quanto eles reescreviam, até alcançar a excelência.

A criatividade só dá frutos quando regada. E rega-se o canteiro da criatividade com suor.

Pergunte ao Henggo. Ele é um dos melhores jardineiros que eu pude encontrar aqui.

...

Espero que tenham gostado da resenha, em especial Henggo, e que todos façam uma visita ao livro. 

"A.M.A.R." merece a atenção de vocês. ;)

 Vamos as perguntinhas desse capítulo. 

- Vocês gostam de um narrador intrometido, que opinia sobre a história e os personagens?

- Vocês já sofreram tb da síndrome do "quarto branco", em que o cenário mal é mencionado na cena? 

- Quais os livros nacionais que vcs mais gostam? 

Obrigado a todos que leram, votaram e compartilharam o projeto 1001 Resenhas. E um obrigado mais que especial para Mariana Madeira pela ótima revisão. 

Vocês que estão fazendo esse projeto ganhar forma, projeção. Sintam-se abraçados por mim... rs 

1001 Resenhas [Fechado]Onde histórias criam vida. Descubra agora