"Amor de Alma" | Dionatas Martins

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Eu tenho debatido muito uma maneira de planejar a construção de um livro. Não para que as ideias sejam acorrentadas pela disciplina, mas, sim, libertadas por ela. Nunca a racionalidade será tão criativa quanto a sensibilidade quase inconsciente do escritor. E é incrível perceber como autores tão novos tomam ótimas decisões criativas mesmo que não tenham, muitas vezes, completa ciência delas.

O Dionatas, de apenas 16 anos, me parece mais um belo exemplo disso.

O prólogo de "Amor de Alma" revela uma mãe aflita dirigindo um carro numa estrada à noite, em meio à tempestade, acompanhada de sua pequena filha.

Apenas com essas informações, diga para mim, o que provavelmente irá acontecer às duas?

Um trágico acidente, não é mesmo?

Pois, então... Você acabou de cair na armadilha de Dionatas. No prólogo, não há acidente, pelo contrário.

O jovem escritor foi muito feliz em gerar essa expectativa no leitor e em explorá-la até seu limite. Dionatas, talvez sem ter consciência disso, seguiu uma máxima defendida por Hitchcock, o mestre do suspense, ao construir a tensão por meio do suspense. Estrutura que eu falei na resenha anterior.

As bases são simples:

Primeiro deve-se estabelecer com clareza o contexto para o leitor.

Clarice, afetada por alguma tragédia recente, dirige por uma estrada perigosa, em meio a uma terrível tempestade.

Depois explora-se o drama.

A filha de Clarice, apesar de muito nova, percebe que a mãe está a sofrer e procura de alguma forma reconfortá-la, ainda que ela também, aos poucos, seja tomada pela tristeza. A cada demonstração sua de carinho, de preocupação, nós leitores somos confrontados pela iminência de um acidente. E isso é desesperador.

Com o drama esticado até seu limite, com o leitor agarrado ao livro, cria-se uma falsa resolução.

Clarice, desesperada, resolve parar o carro para telefonar para o marido. Não satisfeita, sem conseguir um bom sinal para a ligação, decide sair do veículo, deixando Bel sozinha no banco de trás.

Aqui, a tensão chega ao seu limite. Se já sentíamos Clarice frágil, castigada por sua dor, tudo piora quando ela sai do carro e se expõe à escuridão da estrada. Lá fora, separada de Bel, temos a impressão de que as duas tornam-se mais fracas, mais expostas a algum mal terrível. O medo de um acidente de trânsito transforma-se no pavor de uma tragédia ainda pior.

E quando já estamos implorando para que Clarice volte para a segurança do carro, para o lado de sua querida filha, Dionatas estranhamente resolve nos ouvir. Frustra nossa expectativa do acidente, nos presenteando com a vida das duas protagonistas em segurança.

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