"Contos de Torvale" | Sebastian Lélen

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Eu adoro narrador em terceira pessoa sem onisciência, pois, se há um jogo de "esconde-esconde" entre escritor e leitor, é nesse tipo de narrador que o jogo se torna ainda mais desafiador.

Digo isso, porque quando se tira a onisciência do narrador, ele fica restrito à visão de um único personagem, seja ele o protagonista (o mais habitual) ou de um personagem secundário. O escritor, então, é obrigado a não só revelar ao leitor apenas o que o narrador sabe, passando essa informação já afetada pela forma dele de enxergar os acontecimentos, como também de apresentá-la apenas quando ela for coerente com a ação transcorrida.

E é aí que muitos escritores erram, pois forçam explicações em momento inadequados, incoerentes com o contexto do protagonista, apenas porque acham importantes que elas cheguem ao leitor.

Ainda não conseguiu enxergar toda a complexidade desse tipo de narrador? Peguemos então exemplos do livro Contos de Torvale – A Mercenária Que Desejava Parar. Sebastian, escritor da obra, tem muito a nos ensinar.

"Procurem em todos os cantos. Tenho certeza que senti cheiro de mercenários por aqui," esbravejou alguém do lado de fora do quarto, mas de dentro do templo.

"Droga."

Suas chances de sair viva lutando eram mínimas. Ninguém da sua equipe sobrevivera, até onde ela sabia, e pelo menos cinco soldados armados a procuravam. O bom tratamento a prisioneiros não era uma marca do Exército Real de Encollimo, pelo contrário. Se a cercassem, cortaria a própria garganta antes de ser levada por eles.

Até esse ponto da história não tínhamos informação nenhuma a respeito da situação de Melinda. A protagonista, então, com seu encadeamento de pensamentos, nos informa que seus companheiros estão provavelmente mortos e que é praticamente impossível enfrentar sozinha os adversários do lado de fora do quarto. E que esses adversários são os terríveis soldados do Exército Real de Encollimo, tão cruéis que Melinda preferiria se matar a ser levada por eles.

E por que Sebastian nos passa todas essas informações nesse momento, mas não aproveita também para nos explicar sobre essa cidade e seu terrível exército? Por que diabos eles estão atrás de Melinda?

Bem, primeiro vamos nos ater ao que o escritor escolhe nos explicar.

Sebastian opta por esse momento para desenhar melhor a situação de Melinda porque há nele um gatilho perfeito para isso. A protagonista, depois de sobrepujar um inimigo, ouve outros perseguidores e é obrigada a encontrar um plano de fuga. Ao colocar a protagonista avaliando mentalmente suas possibilidades, o escritor pode então passar de forma natural para o leitor a situação em que sua personagem se encontra, sem precisar parar a narrativa para isso, sem empurrar essas informações nesse momento tão inapropriado.

Agora, por que Sebastian não aproveita o ensejo e desenvolve um pouco mais a respeito da cidade Encollimo e seu exército?

Primeiro, porque essas dúvidas gerarão interesse no leitor, amarrando-o na história em busca das respostas.

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