"A Jornada dos Heróis" | Sanchel Cotta

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A ideia desse projeto é construir uma base de teoria literária ao longo das resenhas e dos debates gerados nos comentários

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A ideia desse projeto é construir uma base de teoria literária ao longo das resenhas e dos debates gerados nos comentários. Posto isso, considero essa resenha, até agora, a mais objetiva em ajudar o escritor iniciante a explorar suas cenas.

Tive certo contato com o Sanchel antes mesmo desse projeto. Li alguns capítulos de "A Jornada dos Heróis", passei os olhos pelo novo livro dele, "Quando os Mortos Despertam" e troquei alguns comentários com ele no grupo do Facebook. E ficou muito claro para mim que ele sofre de um grande mal dos escritores mais inexperientes: a ansiedade.

Pois é a euforia em apresentar uma história, em compartilhar um texto, em ser reconhecido, que atrapalha o Sanchel a explorar devidamente sua ótima capacidade de criar. Sanchel é um escritor prolífico em ideias, em argumentos. Tem facilidade em desenvolver plots e em imaginar cenas e personagens. Mas toda essa usina de ideias em sua cabeça precisa ser bem gerida, se não acaba por se tornar uma inimiga.

Tenho certeza de que esse é um problema muito comum aqui no Wattpad. Por isso eu decidi pegar a primeira cena de "A Jornada dos Heróis" e desconstruí-la, procurando passar para vocês uma maneira de gerenciar as ideias antes da concepção da cena em si.

O método, que já comecei a tratar na resenha anterior, "Os Mortos Contam Histórias", consiste no escritor se fazer perguntas. Serão as perguntas que irão conduzi-lo pela construção de suas cenas.

A introdução de "A Jornada dos Heróis" tem os personagens tomando um... Banho! Isso mesmo! Em meio a uma fantasia épica, baseada numa aventura de RPG, nossos poderosos heróis resolvem dar pausa para um mergulho no mar. Quem nunca?

Desde já, destaco que eu adorei essa escolha. Ela é tão inusitada, tão diferente do que esperamos de uma fantasia épica, que esse "estranhamento" acaba por gerar no leitor uma expectativa pelos próximos capítulos do livro. Maravilhoso, não? Sem dúvida, mas a cena poderia ter sido melhor explorada e eu explicarei o porquê.

Vamos partir, então, da pergunta primordial.

Qual o objetivo da cena?

Neste caso, apresentar os personagens.

E Sanchel começa fazendo isso muito bem.

Naquela tarde de outono, os raios de sol brilhavam de encontro às ondas, que dançavam com o vento. Feanor despiu sua armadura e adentrou o mar.

– Ulmor. Rezo a ti. Proteja-nos em nossa busca.

Com um parágrafo simples e curto, conseguimos imaginar a silhueta de Feanor recortada pelo brilho dos cristais na água, oferecendo sua fé ao deus Ulmor. Uma imagem muito poderosa. Nada mais é necessário para que o leitor seja apresentado ao paladino, provável líder do grupo. Ele é o primeiro a entrar na água, o primeiro a receber uma linha de diálogo.

Por que Feanor foi tão bem apresentado?

Porque Sanches pôs Feanor para agir e sua atitude, apesar de simples, é muito significativa por revelar ao leitor a sua mais importante característica: a fé. Conhecer logo de início sua crença religiosa é determinante já que será ela a pavimentar todas as próximas atitudes de Feanor.

Perfeito! O problema é que Sanches não fez isso com os outros personagens. Não explorou também a interação que podia existir entre eles naquela situação inusitada.

Mas antes falarei mais um pouco do ato de apresentar um personagem.

Apresentar um personagem nada mais é do que revelar seu traço mais marcante, ou, ao menos, o mais importante para aquele momento da história.

Tolkien, por exemplo, começa "Senhor dos Anéis - A Sociedade do Anel" com uma festa. A melhor forma que ele encontrou para revelar as principais características dos hobbits: uma pequena raça pacífica, mais preocupada em manter sua segurança e seus comes e bebes. Estabelecida essa informação, Tolkien ficou apto a apresentar Bilbo em sua essência. Sua sede de aventura o torna um hobbit bem peculiar.

Tolkien segue essa ordem por saber que o leitor primeiro precisava entender o que é um hobbit para então aceitar Bilbo como um outsider, quase um desajustado dentre seus comuns.

E como Tolkien revela, de forma inconteste, a natureza rebelde, desbravadora e um tanto egocêntrica de Bilbo? Fazendo-o desaparecer na frente de todos, no ápice da festa, num passe de mágica, para começar sua mais nova peregrinação pela Terra Média.

Ainda consegue com a cena apresentar o Um Anel e estabelecer seu grandioso poder.

Uma única ação de Bilbo fez com o que o leitor o compreenda em várias camadas.

Vou repetir para ficar bem marcado.

Um personagem se revela por meio de AÇÕES.

Então, para que Sanchel desenvolva seus outros personagens, ele precisara fazê-los agir assim como fez com Feanor. Eles necessitam tomar atitudes que gerem reações, de preferência, conflitos.

Como nessa primeira cena os protagonistas estão juntos num momento tão casual, tão neutro, suas ações podem ser por meio de diálogos. Talvez Sanches pudesse criar uma pequena discussão entre eles. Isso geraria um conflito, o que é perfeito, e permitiria que o leitor conhecesse um pouco da personalidade de cada um e da dinâmica entre eles.

Aproveitando que Sanches coloca Sally, a ladina do grupo, incomodada com o fato de que eles estão perdendo tempo por conta de um estúpido banho de mar, por que não aproveitar para explorar o fato dela ser a única mulher do grupo numa situação um tanto constrangedora?

Um personagem mais atrevido poderia convidá-la a se banhar, o que a irritaria ainda mais. Um outro, talvez com algum sentimento por Sally, poderia defendê-la e uma discussão seria iniciada. Algumas rusgas do passado são jogadas ao longo da briga até Feanor intervir e apaziguar a situação.

Há inúmeras maneiras de se explorar essa cena. Variados objetivos podem ser alcançados com ela. Basta que Sanchel tenha a clareza do que a cena precisa comunicar ao leitor.

No exemplo acima, o leitor descobriria que um dos personagens tem uma quedinha por Sally e que ela sofre por ser subestimada pelos companheiros. Saberá também que eles já estão há um bom tempo na estrada e que eles têm pela frente uma perigosa missão. O mais interessante é que a discussão, centrada em Sally, abriria e revelaria algumas feridas no grupo, o que tornaria a cena seguinte criada por Sanches ainda mais poderosa, quando o grupo, já numa masmorra, vê Sally, a ladina, ser abatida por um gigantesco troll.

Bem, é isso. Sugiro a vocês que procurem transformar o ato de se perguntar numa rotina. Quando nos fazemos as perguntas certas, conduzimos melhor nossas ideias, por conta de nossas respostas.

Antes de começar uma cena, pergunte-se:

O que eu pretendo com ela? Qual a informação sobre a história que eu devo passar? Que ações meus personagens deverão ter para que específicos traços de suas personalidades sejam revelados? Que conflitos criar para que meu personagem seja obrigado a tomar essas respectivas ações? Qual o melhor cenário para essa situação? E por aí vai.

...

Bem, mais uma resenha terminada, e espero que vocês, principalmente o Sanchel, tenham gostado. ;)

Mais uma vez preciso agradecer a cada um de vocês por cada voto, comentário e divulgação. Vocês são demais. ;)

Um obrigado especial para a @Minca90s pela revisão e contribuição no texto.

O grupo cresce em número e em qualidade. O nível dos debates está tão incrível que quando eu estiver enrolado com meus afazeres iriei apenas copiar e colocar os comentários de vocês em minhas resenhas. (rs)

Vamos às perguntinhas do capítulo?

- Com que cena vcs optaram por começar o romance de vcs? E pq?

- Qual o gênero preferido de vcs, para ler e escrever? 

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