"A Cavaleira de Dragões" | L. A. Dias

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Como começar um livro? Essa talvez seja a pergunta mais costumeira que nós escritores fazemos. O senso comum nos diz para iniciá-lo com intensidade, seja por meio da ação, seja aguçando a curiosidade do leitor por meio da surpresa. E o que faz L. A. Dias, a escritora de "A Cavaleira de Dragões"?

Os dois. Menina esperta.

"A Cavaleira de Dragões" começa com sua protagonista, Ailin, cercada por antigos adversários de guilda, mostrando todo o seu talento para a porrada (rs). A ação é bem orquestrada, sendo ágil e visualmente clara para o leitor. L. A. Dias sabe que uma boa cena de luta precisa de uma narrativa, de uma estrutura parecida com qualquer outra cena dramática. Não basta apenas ação para envolver o leitor. Nós precisamos de motivos para torcer e temer pelos personagens. E a escritora faz muito bem em aproveitar o momento para, aos poucos, apresentar sua protagonista, aumentando, golpe a golpe, nosso entendimento sobre ela e o consequente interesse.

Antes, deixe-me falar um pouco sobre cinema.

Durante longos anos, principalmente nas décadas de 70 e 80, os filmes de ação em Hollywood eram construídos a partir de protagonistas imbatíveis, que venciam qualquer tipo de desafio com facilidade. Não demorou muito para que o público cansasse da fórmula e os produtores percebessem que faltavam motivos para que o espectador se envolvesse com esses heróis americanos. Como se identificar com um soldado ou com um agente gigantesco, especialista em matar, inteligente e perspicaz, capaz de vencer todo um exército inimigo?

Obviamente o público se deliciava com as mortes, com as proezas do protagonista, mas faltava a tal empatia. Então, em 1988, surgiu Duro de Matar, com Bruce Willis no impagável papel de John McClane, e o gênero de ação se transformou.

Assim como os anteriores, John McClane também enfrentava uma horda de inimigos, também se livrava de situações impossíveis, mas, diferente deles, o protagonista de "Duro de Matar" parecia de alguma forma gente como a gente. John McClane não enfrentava uma horda de inimigos pelo seu país, mas sim para poder voltar para a casa a tempo de passar o natal com a família. Ele não vencia simplesmente seus adversários, mas sobrevivia, com machucados físicos e emocionais. Seus pés descalços ficaram famosos na época, sangrando ao pisar nos vidros estilhaçados espalhados pelo chão.

John McClane era um marido, um pai, um funcionário da polícia, que por ventura fora jogado numa aventura muito maior do que ele próprio poderia um dia imaginar. Suas limitações tornavam-no humano e isso gerara muita identificação com o público. Não só torcíamos por ele como também temíamos por sua vida, por sua família. Imaginávamos nós mesmos lançados naquela situação insana e nos compadecíamos ainda mais por aquele esperto policial.

Percebam, uma cena de ação não pode se sustentar apenas na criatividade dos golpes, dos desafios. Nela, devem haver personagens com uma história, com um passado, com seus conflitos interpessoais e extra-pessoais. São esses elementos que potencializam a ação, tornando-a memorável. Quem é fã de 007 sabe que a partir de "Cassino Royale" a franquia tratou de humanizar o agente, dando-lhe sofrimentos, medos e anseios.

Então, que cena melhor para a apresentar e desenvolver Ailin que não uma de ação? É na luta que a protagonista cresceu e desenvolveu sua personalidade. Sábia escolha de L. A. Dias.

Dei um passo cambaleante para trás, e tentei conter um resmungo de dor enquanto limpava o sangue que escorria do meu lábio com as costas da mão direita.

– Sempre covardes. – Falei entre fôlegos. – Não consegue dar conta de mim sozinho Urei. Tem que chamar reforços.

Urei riu. Ele, assim como eu, sabíamos que os mercenários das terras sem lei não davam a mínima para honra, lutando sujo ou não, o importante era terminar um contrato com a vida e ouro na bolsa.

"Tentei conter um resmungo de dor enquanto limpava o sangue...", vejam como esse trecho fragiliza a protagonista, que se esforça para não demonstrar seu sofrimento ao inimigo. Ailin é muito superior aos seus adversários, não à toa está cercada por eles, mas também sangra, também sofre.

Rapidamente entendemos que aquela situação é corriqueira e que aquela é uma terra sem lei, onde Ailin tem de lutar dia a dia para sobreviver. Uma informação que aumenta a tensão do combate, já que nós, leitores, fomos avisados de que os inimigos podem se aproveitar de alguma covardia para vencer a protagonista.

Mas o interessante é que a empatia gerada por Ailin não vem absolutamente do sofrimento imposto a ela, mas também da maneira com que ela lida com esse sofrimento. Sem dúvida, Ailin tem uma condição que nos gera muita comoção. Ela é odiada pelo pai, por ser mulher num mundo violento e masculino, é obrigada a ocultar sua identidade, vivendo sob uma máscara de um menino... Tudo muito triste, sem dúvida, mas o que torna ela interessante é sua postura ativa, determinada, em entender sua condição, confrontando-a da melhor maneira: sendo a melhor mercenária dentre todos.

Se antes eu falei que John McClaine revolucionou os personagens de filmes de ação por conta de seus inúmeros defeitos e limitações, não podemos ignorar que, aliado a isso, o protagonista de "Duro de Matar", assim como seus antecessores, também gerava empatia por alimentar no espectador um estado de admiração.

As proezas físicas de John McClaine e sua forma criativa de lidar com os problemas eram fundamentais para que nós nos interessássemos por ele. Do que adianta um protagonista tão humano, cheio de limitações e defeitos, que não faz nada digno de ser contado? Não confundam humanizar um personagem com torná-lo um personagem ordinário, que não tem a capacidade de realizar grandes feitos.

Adoramos acompanhar pessoas e personagens que agem, que enfrentam suas barreiras de queixo erguido. Nos conectamos a esses personagens não simplesmente por compaixão mas por idolatria, talvez até mesmo por inveja. Nós adoramos grandes gênios. Gostamos de acompanhar pessoas que têm uma determinação e criatividade que não temos. Não à toa, tantas pessoas seguem os perfis de atletas, de grandes escritores, ricos empresários. É uma forma de provar um pouco de uma vida que não desfrutamos, mas principalmente de compartilhar de características que desejamos ter.

Podemos então concluir que o que torna um protagonista interessante não é simplesmente sua genialidade, muito menos sua extrema humanização, mas sim um tanto dos dois. A dosagem de cada um é uma decisão do escritor que dependerá estritamente da história a ser contada. Até mesmo um personagem passivo, inicialmente incapaz, completamente humano, precisará em algum momento revelar uma força que o tornará superior às suas barreiras. E mesmo aquele protagonista genial, pronto para qualquer situação inusitada, terá de enfrentar algum desafio que o fará rever sua própria capacidade. 

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Estou animado por ter voltando a rotina de lançar duas resenhas por semana e espero que tenham gostado desta, principalmente a Laís, obviamente. ;)

A última resenha nos trouxe novos amigos e dou boas vindas a cada um deles. Muito obrigado por sua visita. E obrigado tb a cada voto, cada compartilhamento e divulgação e, claro, aos ótimos comentários que tenho recebido. Me amarro em responde-los. 

Sem mais delongas (rs), vamos às perguntinhas do capítulo.

- Qual a estratégia que vcs têm para escrever uma bela cena de ação?

- Cenas grandiosas de ação são tão poderosas na literatura quanto nos filmes?    

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