Capítulo 8

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Uma criança estava encolhida perto da mãe, que cobria os ouvidos dela, enquanto cantarolava, tentando distraí-la do som dos tiros e de metais batendo nos andares superiores.
Era a primeira criança que Jane via no castelo e não na melhor situação.
Como se ficar esperando quietos, como se um suspiro mais alto fosse chamar a atenção dos rebeldes lá de cima, não fosse o suficiente, o que realmente estava desconfortando-a naquela situação era ter que ficar perto do guarda Vance. A cozinha era grande, mas não estava acostumada a abrigar tantas pessoas ao mesmo tempo, então todos os criados e guardas estavam lado a lado, próximos, esperando pelo silêncio.
— Jane...
Ela tentou afastar-se, sacudindo o braço que tinha sido agarrado com força.
— Eu não te dei essa intimidade — Jane retrucou — É senhorita Mirren e não toque no meu braço.
Hope levantou o olhar, ao lado de Reyna, desconfiada para Vance. Ele pareceu notar que estava sendo observado, então se recompôs.
— Senhorita Mirren, eu gostaria de pedir desculpas por meu comportamento da última vez que nos vimos.
Continuou desconfiada e olhando para a frente, mas assentiu.
— Está desculpado, senhor Vance.
Um último som de metal ecoou, uma das criadas tinha esbarrado em uma panela e derrubado-a no chão. E então veio o silêncio. Esperaram por mais algum tempo, antes de Vance e outros guardas se moverem.
— Fiquem aqui — um deles disse, antes de decidirem verificar.
— Ah não — a criança lamentou, como se a falta de guardas os condenasse nas mãos dos rebeldes.
Permaneceram esperando que os sons voltassem, se entreolhando na mesma tensão de momentos antes. Alguns se tensionaram mais quando voltaram a escutar passos descendo as escadas, mas eram de apenas uma pessoa e calmos demais para serem de um rebelde querendo ferir alguém.
— Os rebeldes foram embora — McKinnon surgiu no campo de visão, indo na direção delas, parecendo muito irritado — Vamos, senhoritas.
Hope deu um leve empurrão em Reyna, fazendo-a seguir Jane para fora das cozinhas.
— No que estavam pensando? — perguntou McKinnon, sibilando — Apesar de estarem em um castelo vigiado, ainda somos atacados por rebeldes. Não dá para ficarem se isolando, se vestindo de empregadas toda hora.
— Empregadas passam despercebidas, selecionadas não — retrucou Jane, cruzando os braços — O que garante que eles não queriam atacar a uma de nós?
Reyna parou de caminhar, olhando para a parede do castelo.
Tinha uma caveira e uma cobra pichadas em verde e preto.
— Vamos — McKinnon puxou-as delicadamente pelos braços, parecendo tão incomodado por aquela marca quanto Reyna.
— Alguém morreu? — ela perguntou, parecendo arrependida.
Morrer? Do que eles estavam falando?
— Ainda não terminamos de revistar o castelo — disse McKinnon.
— O quê? E o que garante que ainda não estão aqui? — perguntou Reyna, espantada.
— Talvez por isso seria bom que déssemos pressa, não crê? Achei que o príncipe talvez não tentasse me esganar, caso acreditasse que protegi as senhoritas em seus quartos, em vez de tê-las perdido nas cozinhas.
A visão de Liam partindo para a violência não condizia muito com o que Jane conhecia dele.
— E por que ele faria isso? — perguntou Jane.
McKinnon não respondeu.
Assim que chegaram no corredor dos quartos, ele as encaminhou para o quarto de Jane.
— Tranque a porta — ele indicou, ficando do lado de fora.
Ignorou o que ele disse, indo direto para a cama e a amiga não fez diferente.
— Espero que elas estejam bem — disse Reyna.
Jane a olhou sem entender, então ela esclareceu:
— As nossas empregadas. Eu não vi as minhas lá na cozinha.
— Talvez estejam em algum outro esconderijo — sugeriu.
— Sim, provavelmente.
A porta abriu-se bruscamente e Sirena quase pulou em cima delas.
— Onde vocês estavam? Nós ficamos tão preocupados — ela disse.
— Estávamos aqui — respondeu Jane com naturalidade.
— Deveriam ter ido até o abrigo da realeza.
— Era arriscado — mentiu Reyna — De qualquer forma, estamos bem. Eles não tocaram nos quartos.
Sirena assentiu, parecendo mais calma por isso.
— Bom, o príncipe quer todas uma hora antes na Sala de Jantar — ela avisou — Eu acho que nós deveríamos ir para os nossos quartos, Reyna.
Sem muita discrição ou explicação, ela puxou a amiga pelo braço para fora do quarto, sem se despedir.
Jane deitou na cama, fechando os olhos. O quarto ficava realmente vazio sem a presença de Pomona e Myrtle.
Escutou a porta se abrir e logo ficou em alerta. Seria algum rebelde que ainda estaria no castelo, apesar de todas as buscas? Ele conseguiria passar por McKinnon?
— Senhorita Mirren?
Ela abriu os olhos, sem a menor vontade de levantar-se.
— Olá — respondeu.
Liam parecia bem perdido, medindo as suas palavras com cuidado, como se esperasse que ela tivesse adormecido.
— Posso me sentar? — ele perguntou.
— Claro — respondeu Jane.
Ele aproximou-se, ainda pensativo.
— Certo — disse, por fim, após sentar-se do lado oposto da cama — Senhorita...
— Liam — Jane interrompeu-o — Nós ainda não passamos dessa fase?
— O quê? — ele perguntou, sem entender.
— Ainda não passamos dessa fase de nos chamar de senhor e senhorita?
Liam ficou em silêncio por um tempo, antes de soltar uma risada leve.
— Você me deu um grande susto, — ele disse — quando percebi que você não estava lá no abrigo.
— Sinto muito — ela respondeu — Não sabia que isso ia acontecer.
— Não tem como prever. Nós tentamos, mas não é como os terremotos...
— Terremotos?
— Tem uma placa tectônica do lado de Angeles e Likely, bem na fronteira das províncias. Acho que são as que mais sofrem com isso.
Jane assentiu.
— Rebeldes, terremotos... Mais alguma coisa sobre esse castelo que eu deveria saber? — tentou brincar, mas a expressão no rosto de Liam não mostrava que tinha dado muito certo.
— Eu vou entender se quiser ir embora. Petya pediu para sair, está apavorada com o ataque de hoje. Parece que nem a comida a mantém aqui mais.
Ela levantou-se preguiçosamente, sentando-se.
— Eu não vou a lugar algum — ousou pousar a mão em cima da dele — Não até você me dispensar.
— Isso é um desafio? Temo não poder corresponder às suas expectativas — Liam brincou, olhando para baixo.
— Nem ouse tentar.
McKinnon bateu na porta semiaberta com um sorriso estúpido.
— Está na hora de falar com as selecionadas, príncipe.
Liam logo fechou a cara, olhando para ele.
— Estou seguindo suas ordens — o guarda justificou-se.
Jane levantou-se da cama, indo em direção a McKinnon.
— Espera! Você vai assim? — ele perguntou, indicando o vestido de empregada.
— Não gosto de me atrasar por futilidades — ela virou-se, dando uma piscadela para o príncipe — Vamos, Alteza?
— O quê? Não passamos dessa fase ainda? — Liam resmungou, indo atrás dela.

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