Capítulo 1

719 63 13
                                    


Tudo aconteceu rápido demais para que Jane conseguisse absorver.

Em um momento, estava caminhando pelos jardins do castelo, tentando escapar das empregadas que tentavam convencê-la a ir logo para o seu quarto, a mando da rainha Euphemia, que insistia em determinar um horário para a sua sesta.

A sensação de pisar descalça na grama, sabendo que era inapropriado, sentir o tecido do vestido prendendo nos galhos das árvores e poder cheirar todos os aromas delicados que as flores dos arbustos expeliam era o que fazia valer a pena aquelas pequenas quebras de normas.

E então, em outro momento, ela entrou em um corredor que quase nunca entrava, pois era um dos acessos dos empregados. O rei Fleamont estava lá, tentando conversar pacificamente com dois encapuzados que apontavam as armas para ele.

Só havia uma pessoa que não usava capuz, e foi ela quem apertou o gatilho.

Poderia ter morrido naquele exato instante. Não lembrava-se o porquê de ter sido poupada.

Lembrava perfeitamente do choro indecoroso que soltou, de como tentou manter seu pai com vida, enquanto gritava por ajuda, do aperto que ele deu em suas mãos, que cobriam o tecido coberto de sangue da camisa, dando o seu último sorriso.

E então as suas malas estavam sendo feitas e um monte de guardas fardados a escoltavam para dentro de um avião que ia para um destino que ela não podia prestar a atenção, pois ainda segurava com força em suas mãos o relicário ensanguentado.

Em que momento a sua vida tinha chegado àquele ponto?

Sabia que não era a princesa mais exemplar que existia no mundo, ganhando inclusive das loucuras executadas pela herdeira do trono italiano, mas não podia ser que merecesse passar por tanto sofrimento.

Aquele rosto ainda a assombrava. Quando fechava os olhos, podia reconhecer com facilidade, e cada vez menos fazia sentido. Cada vez menos acreditava que seu pai estava mesmo morto. Não podia ser real.

— Ihre Durchlaucht — uma mulher com o uniforme do palácio de Dortmund agachou-se à frente do banco em que Jane estava sentada, e pegou suas mãos com delicadeza, tentando separá-las do relicário — Komm schon. Heute.

Em algum momento, o avião tinha parado de voar e tinha pousado finalmente em seu destino, mas ela não poderia dizer quando que isso aconteceu.

Sua mão apertou-se em volta do relicário com mais força, como se temesse que fossem tirá-lo dela.

— Está tudo bem, você pode ficar com ele — a mulher pareceu notar isso, e pegou uma das mãos para poder ajudá-la a se levantar.

Por fim, Jane reagiu, levantando-se por conta própria, mas sem afastar a mão da moça. Isso seria muito rude de sua parte, quando só estava tentando ajudá-la.

Foi guiada para fora do avião e uma parte de sua mente reconheceu aquela paisagem do jardim. Tinha algo nada germânico no jeito que aquelas flores estavam localizadas.

A moça parou ao seu lado, curvando-se em um cumprimento, enquanto olhava de cabeça baixa para a frente. Jane seguiu o seu olhar, vendo a figura imponente e de cores claras da rainha Doralice recebê-la, ao lado do seu marido, o rei Charles.

Estava em Illéa.

— Jane, minha querida, como está? — Doralice aproximou-se, as mãos entrelaçadas entre si, à frente do corpo.

Era uma pose que ela também sempre tinha gostado de fazer.

Apesar de seu estado catatônico e da vontade de desatar a chorar outra vez, ela ainda era uma princesa, e não conseguia deixar de lado o protocolo em favor de suas vontades pessoais. Tinha crescido e sido educada daquela maneira.

UndercoverOnde histórias criam vida. Descubra agora