Capítulo 30

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- Ela ainda está a dormir, ontem chegou tarde.

- Típico. – ouço a gargalhada de Joey no andar de baixo.

- Vou ter de ir trabalhar querido, fica à vontade. – responde a minha mãe e posso-a imaginar na perfeição a deixar-lhe um leve beijo na face e a sair dentro do seu longo casaco e grosso cachecol que dava quase para fazer de colcha na minha cama de casal. Ela é tão maternal com ele quanto é comigo.

Tapo-me até à cabeça aninhando-me mais nos meus cobertores com os joelhos juntos ao peito enquanto ouço a chuva a cair em peso lá fora junto à ruidosa trovoada que estoira pela cidade. Os meus dedos dos pés encaracolam-se de frio e um arrepio atravessa-me a espinha. Era de esperar que este tempo volta-se, deu logo para notar quando ontem observava a imensidão escura do céu com um leve toque laranja. Os meus pelos eriçam-se quando me lembro da sensação do toque de Harry encostado a mim desenhando-me linhas abstratas no meu pulso descoberto e deixo sair de mim um resmungo estranho virando-me para o outro lado.

- Maldisposta pela manhã? – soa a voz de Joey e destapo-me apenas o suficiente para pelo cantinho do olho o conseguir ver a espreitar pela frincha da porta com a cabeça enfiada no meu quarto. Resmungo novamente e volto a tapar-me o mais que consigo num autêntico rolinho, calculando mentalmente quanto tempo conseguirei ficar aqui debaixo até que todo o oxigénio seja consumido.

Sinto-me a pender mais para um lado do que para o outro quanto ele se senta na minha cama de pernas esticadas e sobrepostas.

- Noite longa pelo que ouvi dizer. – diz numa meia gargalhada. – Estás a ressacar? – oh sim eu estou a ressacar, a ressacar agrestemente de sentimentos que se transbordam de mim até pelos ouvidos.

- Não. – resmoneio.

- Então?

- Ah eu sei lá Joey! – respondo aborrecida com a vida.

- Bem, isso aí em baixo está agreste.

- Nem tu imaginas o quanto.

- A noite correu assim tão mal?

- Não.

- Houve problemas?

- Não.

- Estás doente? A tua mãe não me disse nada em relação a isso mas se...

- Ahg não, não estou doente! Ou pensando agora no assunto talvez até esteja, sabes? – talvez esteja mesmo doente, pois isto parece-me mais como tal, o meu estômago borbulha, a minha garganta aperta, a minha cabeça lateja, talvez seja apenas o inicio de uma chata constipação e não o fervilhar de sentimentos.

- Estás com o período?

- Porra Joey não! – digo um pouco alto de mais.

- A última vez que te vi assim foi quando destruí o teu amor platónico por mim! – solta numa alta gargalhada e eu fico em silencio a sentir tudo em mim afundar.

É verdade. A minha primeira paixoneta de secundário ser gay, não foi pera doce para mim. Questionei-me imenso sobre o que havia de errado comigo quando ele me começou a deixar de beijar com tanta frequência e evitava dar-me a mão quando íamos assistir aos jogos de futebol da escola cheios de rapazes soados e musculados, foi algo que ao inicio fez imensa confusão ao meu pequeno cérebro. Tive até uma altura da minha vida em que desejei ser rapaz para que ele pudesse continuar a gostar de mim da mesma forma, ridículo, as coisas não funcionam assim.

Após ele me ter contado faltei uma semana inteira às aulas fingindo-me de doente, colocava o termómetro todas as manhãs perto da lâmpada do candeeiro da mesinha de cabeceira para que a temperatura subisse e encenava uma voz fraca, eu tinha imenso jeito para isso, até porque nessa altura o meu sonho de princesa era ser atriz quando crescesse, aparecer nos grandes ecrãs e ser mundialmente conhecida. Também passei pela fase de querer ser cantora e percorrer os grandes palcos com grandes vestidos de lantejoulas, também quis ser modelo e oh claro, trabalhar para a Disney e participar naquelas series que eu tanto adorava como Hanna Montana, Raven, Zack & Cody, os Feiticeiros de Waverly Place, eram as minhas preferidas, para não falar da minha adoração pelo High School Musical, lá podia atuar como atriz, desfilar como a Sharpey, Cantar como a Gabriella e oh, casar com o Troy Bolton. A vida era perfeita nessa altura.

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