Estamos de volta à estrada, pegamos a rodovia imigrantes que leva para o sul do país. Sinto que não posso mais guardar para mim o que estou pensando, então decido de vez me expressar:
– Pai... – Hesito, talvez tenha medo da confirmação, mas tenho que saber o que está acontecendo. – Não sei o que aconteceu naquela casa, mas sei o porquê do senhor estar com tanta pressa para se afastar daqui...
– Já que você sabe Thomas, pode nos explicar? Seu pai parece não estar a fim de comunicar a família dele o que está acontecendo.
A ironia na voz da minha mãe não esconde que ela está começando a se estressar com tal situação, papai, porém a ignora e me responde:
– O que você sabe?
– Esta manhã eu vi na televisão um acidente no Rio de Janeiro, em que houve um vazamento de radiação e o cara falava para as pessoas se afastarem do Rio, e até falava para sair do país...
– Que horas você viu isso?
– Quase meio dia, eu acho...
– Bom – ele dá um profundo suspiro, como quem se prepara para contar uma longa história e prossegue. – Melhor deixar logo claro para todos vocês o que está acontecendo aqui.
Julia e mamãe trocam olhares confusos, mas ficam em silêncio para ouvir o que papai tem para contar.
– Há mais ou menos seis meses, fui designado, junto com alguns soldados selecionados do quartel, para uma missão em um campo de pesquisas, os médicos e cientistas daquele local estavam testando um novo tipo de vírus, que, de acordo com eles, poderia trazer uma pessoa à vida depois que ela morresse. Porém essas experiências estavam dando drasticamente erradas, ou pelo menos, em partes.
– Não estou entendendo pai...
– Julia, por favor, não me interrompa querida – ele continua. – Os mortos usados nos testes realmente voltavam à vida quando aquele vírus entrava na corrente sanguínea, porém não voltavam como eram antes... Elas voltavam como... Animais selvagens... Sem raciocínio próprio e com uma fome voraz por carne...
Julia o interrompe soltando uma gargalhada forçada.
– Pai, já não basta o Thomas com essas historinhas de zumbis e você vem com essa aí?! Muito boa essa piada pai, quase nos pegou.
Papai esquece a estrada à frente, olha para minha irmã e diz em um tom de voz bem alto:
– Não estou brincando, isso é sério! Não tiraria vocês de casa se não fosse verdade – ela escuta em silêncio enquanto meu pai continua a falar. – Eles aprisionaram aqueles monstros no subsolo daquele local durante todo esse tempo porque acreditavam que acabariam encontrando um antídoto que reverteria aquilo e faria as pessoas voltarem ao normal, ou que as matasse de vez. Mas essa madrugada aconteceu aquele acidente, aparentemente um incêndio que desencadeou várias explosões devido aos materiais altamente inflamáveis que havia lá, a radiação se espalhou pelo ar... O mesmo vírus que transformou aquelas pessoas se espalhou pela atmosfera, e os que já haviam sido transformados e estavam presos, escaparam. Os primeiros bombeiros a chegarem ao local para conter o incêndio foram atacados e totalmente dilacerados, só restaram os uniformes e ossos para contar a história. Além desse vírus que está no ar, infectando a tudo e a todos, aquelas criaturas também foram soltas...
– Mas, as forças armadas conseguirão contê-los, não é pai? – engulo em seco, por medo da resposta que posso obter.
– Não estou falando de 10 ou 15 zumbis. Essas experiências estavam sendo feitas há muito tempo, devia haver cerca de 600 deles só da vez em que eu fui até aquele local e isso foi há seis meses. Essas criaturas se espalham rápido, um dos cientistas chegou a me falar que basta ser mordido e pronto. Cerca de meia hora você morre e volta como um deles. Não me surpreendo se esses 600 já tiverem se tornado seis mil! E aquelas pessoas mortas naquela casa? Essa praga está avançando mais rápido do que qualquer um possa acreditar! Essas experiências são um segredo nacional, só os mais altos do escalão do exército sabem e os cientistas envolvidos no programa, a população não faz nem ideia de com o que vai lidar e não preciso nem dizer o quanto isso é péssimo!
Ninguém fala nada, estamos todos em choque, exceto Julia que parece não ter acreditado em uma palavra que ouviu, a mente de todos está repleta de perguntas, ainda assim o silêncio nos parece mais confortável.
Avistamos um posto de gasolina e paramos para abastecer, um homem alto, careca e um pouco acima do peso, que aparenta ser frentista vem em nossa direção enquanto descemos do carro.
– Thomas, avisa o nosso pai que eu fui com a mamãe no banheiro, falou?!
– Julia, seria melhor você pedir para ele, esse lugar está quase deserto, pode ser perigoso.
– Ah, vocês dois estão viajando, estou começando a achar que o serviço estressante o deixou louco de vez! Estou indo, não vamos demorar.
– Espera, não... – Mas não adianta falar, ela já me deu as costas e caminha até os banheiros empurrando a cadeira de rodas da mamãe. Julia sempre foi teimosa, assim como eu.
Volto para onde meu pai e o frentista estão, e percebo certo desespero no rosto do homem.
– Os outros que trabalhavam aqui deixaram seus postos hoje de manhã e foram para as suas casas, disseram que iam pegar suas famílias e procurar um lugar seguro, alguns falaram até em sair do Brasil.
– E por que eles fizeram isso? – pergunto, embora já imagine qual seja a resposta.
– Está tudo um caos, a programação do rádio é sempre a mesma, boletins de notícias mandando as pessoas se manterem o mais afastado possível do Rio e dos estados vizinhos, depois daquele acidente, ninguém entende direito o que está acontecendo... E eles nunca nos dão uma explicação.
– E por que você não foi atrás da sua família, como os outros fizeram? – pergunta meu pai.
– Não tenho família, senhor.
Nossa conversa é interrompida por um grito vindo do banheiro do posto, corremos desesperados até lá. Já penso no pior. Meu pai abre a porta do banheiro com um chute e encontra Julia encolhida ao lado da pia, apontando para um ratinho que passeia tranquilamente por ali.
– Você está ficando louca? Esse escândalo todo por causa de um rato? – papai é um misto de raiva, mas também de alívio por ela estar bem.
– Esse bicho nojento passou por cima do meu pé! Preciso de álcool agora mesmo! Não quero pegar nenhuma doença.
– Em meio a "canibais” que estão soltos por aí devorando pessoas, você está preocupada com um ratinho? – estou muito irritado e não consigo esconder isso. – Cadê a mamãe?
– Canibais? Você é um lunático Thomas!
– Parem de brigas meninos, será que vocês não conseguem ficar uma hora sem brigar? – a voz é da nossa mãe, que vem saindo de um dos banheiros com certa dificuldade para se ajeitar na cadeira de rodas.
– Olha, não quero interromper a discussão familiar, mas o garoto aí falou canibais? Do que ele estava falando?
– Não temos tempo para ficar dando explicações, vamos encher alguns galões de combustível e sair daqui o quanto antes. Temos um longo caminho pela frente – responde meu pai, saindo do banheiro e indo em direção às bombas de combustível.
– Desculpe moço, nem nós sabemos direito o que está acontecendo, tudo está muito confuso, mas seria melhor o senhor sair daqui também, não deve ser seguro ficar sozinho por aqui. – Olho nos olhos do homem enquanto falo e tenho um leve pressentimento que logo iremos nos encontrar novamente.
– Para onde vocês vão? Desculpe a pergunta.
– Meu pai ainda não disse. E você?
– Ainda vou decidir se fico aqui ou volto para Minas Gerais. Aliás, qual é mesmo seu nome garoto? – pergunta ele, enquanto vai andando atrás do meu pai para ajudá-lo com o combustível.
– Thomas e o seu?
– Fred. Quem sabe a gente se encontra por aí... Como é mesmo seu nome?
– Thomas. Adeus Fred.
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Sobreviventes do Apocalipse - Livro 1 da Duologia Últimos Dias na Terra
HororThomas é um garoto de quatorze anos, que adora filmes de terror. Após mais uma noite cheia de pesadelos, ele acorda e vê um noticiário na televisão: repórteres entrevistam um cientista em frente a um centro de pesquisas no Rio de Janeiro que explod...