Um dos meus raptores é uma mulher. É inacreditável pensar que uma mulher possa estar envolvida em algo assim. As mulheres são mães e protetoras. Como pode ela fazer isto a outra mulher sabendo o que nos irá acontecer? Isso, de algum modo, torna-a pior do qualquer homem. Será que viver na pobreza e a súbita probabilidade de fazer dinheiro torna as pessoas más, ou serão elas já más de natureza? Supliquei por um rolo de papel higiénico e ela deu-me um. A partir deste momento dei conta que são
as pequenas coisas da vida que tomava como garantidas que me farão sentir novamente como um ser humano. Um rolo de papel higiénico - um artigo de uso rotineiro, mas que fiquei tão feliz por ver. É de manhã, penso eu. Ela destrancou a porta e deixou-me um prato de pão e peixe seco salgado.
Deu-me também uma garrafa grande de água. A minha sede parece que surgiu do nada e esqueci-me que não comia ou bebia nada há vinte e quatro horas. Bebi metade da garrafa sem parar para respirar. Mas não consigo comer. O meu estômago dá voltas só de pensar no que aí vem. Queria perguntar-lhe como é que consegue fazer-nos isto, mas não consigo antagonizá-la. É uma
mulher de aspeto severo, com cerca de trinta e cinco anos. Tem cabelo bonito, está bem maquilhada e as roupas são caras. Ouço-a rir e a brincar com os raptores homens, como se tudo isto fosse perfeitamente normal. Suponho que no mundo dela seja. Em vez disso, perguntei-lhe o que me iria acontecer e ela disse-me que sou agora propriedade de um
gangue de escravatura. Brevemente irão levar-me, juntamente com as outras raparigas, pela Europa até Itália. Disse que têm o meu passaporte e que tenho que fazer o que eles dizem. Contou-me como tinham morto os familiares das outras raparigas quando estas lhes desobedeceram. Não quero escutá-la, mas tenho de fazê-lo. A mãe, com setenta e cinco anos, de uma das raparigas que tentou escapar foi pendurada numa árvore e enforcada. A filha de sete anos de outra das raparigas que tentou escapar foi torturada. Arrancaram-lhe todas as unhas e dentes com alicates antes de a apunhalarem cem vezes. E assim continuou sem parar, a contar-me horrores parecidos. Engoli a bílis que teimava em sair e lutei para controlar as lágrimas. Não posso demonstrar fraqueza,
pois irão tentar usá-la contra mim. Quando saiu do quarto deu-me um sorriso forçado. 'Bons sonhos', disse ela, mesmo que fosse dia. Enquanto bebia o resto da água, finalmente dei conta do que queria dizer. Sinto-me muito sonolenta e
tenho que esconder o meu diário. Acho que me drogaram.
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TRAFICADA : Sibel Hodge (CONCLUÍDO)
Mystery / ThrillerHá cerca de cinco anos assisti a uma minissérie sobre raparigas da Europa de Leste que tinham sido traficadas. Isto assombrou-me durante muito tempo e, gradualmente, foi desvanecendo da minha mente e consegui seguir com a minha vida. Depois, há pouc...