DIA 15

208 9 0
                                    

Não tenho escrito muito porque não quero descrever as coisas que me obrigam a fazer. Podem imaginar todas as depravações que existem e multiplicá-las por cem, depois irão compreender. Tento reconfortar-me durante o dia. As raparigas podem sair dos quartos e podemos ver televisão e
preparar a nossa comida quando não estamos a trabalhar. Não como muito e consigo ver as minhas costelas e ossos das ancas a romperem-me a pele. Tenho a cara encovada e o meu cabelo está baço e sem vida. De vez em quando penso em matar-me. Talvez estivesse melhor morta. Mas depois penso na Liliana e sei que nunca poderei fazê-lo. A maioria das raparigas não fala sobre de onde vem ou sobre quem era antes de serem roubadas. Não confio em ninguém agora. Como saberei se não iriam contar tudo o que lhes contei à Angelina ou
ao Violador? Mas dou-me com uma rapariga chamada Sasha, da Rússia. Nunca falo sobre a minha situação, mas
passamos tempo no quarto uma da outra e ela contou-me que foi raptada da sua pequena aldeia há três anos. Estava a viver com a mãe quando dois homens, a altas horas da noite, bateram com força na porta. A mãe estava a trabalhar no turno da noite numa fábrica de frangos, por isso não estava lá para tentar protegê-la. Quando Sasha abriu a porta, os homens puseram-na inconsciente e, quando acordou, estava num apartamento algures. Ficou lá durante uma semana enquanto os homens e os amigos faziam turnos para violá-la. Venderam-na a um traficante de Inglaterra e foi forçada a trabalhar nas ruas ou em casas de massagem. Recentemente foi vendida a uma sauna, onde estava trancada no quarto durante vinte e quatro horas. Os homens que vinham fazer sexo com ela todas as noites costumavam estar bêbedos e batiam-lhe. A sauna cobrava £50 por cliente, mas ela nunca recebia pagamento nenhum. Tentou contar a alguns dos homens o que lhe aconteceu para que estes tivessem pena dela e a tirassem dali. Nenhum deles o fez. Não queriam saber o que lhe tinha acontecido. Quando ela se recusava a fazer coisas aos homens, o proprietário do bordel espancava-a. Metade do cabelo foi-lhe arrancado e tinha os dedos das mãos e dos pés partidos onde ele os pisava. Também lhe partiu uma costela, que ainda não tinha curado bem e que fica espetada num ângulo esquisito. Às vezes tem dificuldades em respirar. Enquanto ela me descrevia isto, eu conseguia mesmo ouvir o ranger os ossos nas suas palavras. Tirou a peruca que usa e mostrou-me como o cabelo ainda não lhe tinha nascido devidamente. Depois do espancamento foi vendida ao namorado da Angelina e veio para aqui. Foi vendida oito
vezes nos últimos três anos, mas disse-me que este é o bordel mais agradável onde esteve presa. Devo sentir-me reconfortada com isto? É estranho, mas parte de mim sente-se assim. Existem lugares
piores onde podia ter terminado. Contou-me sobre outra rapariga que conheceu em Inglaterra, que também era da Moldávia. Ela
conseguiu escapar e foi até à Embaixada da Moldávia, que tratou de tudo para voltar para casa, mas, quando chegou, descobriu que estava grávida. O gangue que a tinha traficado originalmente, conseguiu encontrá-la, violou-a e espancou-a e ela perdeu o bebé. Mataram-lhe o cão como castigo extra e ameaçaram matar-lhe a família se escapasse novamente. Foi então traficada novamente para Inglaterra. Algumas das raparigas que a Sasha conhecia desapareceram de um momento para o outro e ela acha que foram assassinadas. Sasha queria contar-me mais, mas eu interrompi-a. Já tinha ouvido tudo o que conseguia num único
dia. Quero saber porque pode ajudar a salvar-me. Quero saber o que faz com que as pessoas nos façam isto. Quero saber como é que estas coisas ainda acontecem no século XXI. Quero saber se algum dia vou encontrar uma forma de fugir.

TRAFICADA : Sibel Hodge  (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora