DIA 49

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Analisei-me ao espelho e dei conta que já perdi mais peso. Os ossos das minhas ancas e costelas sobressaem mais, os meus olhos estão encovados no meu crânio e o meu estômago está côncavo. Dão-nos comida em pequenas quantidades e, se quisermos mais, temos que pedir. Nunca pedi! Não quero comer e não quero dar-lhes essa satisfação. Nenhuma rapariga aqui fala sobre si própria. Sentimo-nos todas nervosas com medo de dizermos algo
e que chegue ao ouvido dos nossos raptores. Pode haver uma que esteja disposta a contar tudo o que dissermos em troca de uma promessa de ser melhor tratada. Os dias e noites continuam iguais. Os homens vêm – bêbedos, sujos, malcheirosos. Às vezes são
violentos e são expulsos, mas nada de mal lhes acontece. São porcos imundos, mas eu sou a puta perfeita. O Paul está contente comigo. Disse que se eu me portar bem posso visitar os homens ricos a quem
arranja raparigas. Qualquer coisa é melhor do que os homens aqui. A Liliana ocupa-me todos os pensamentos e está sempre comigo nos meus sonhos. É a única coisa que
me faz aguentar isto. Mesmo antes de ser traficada tinha-lhe feito um telefone de brincar. Não tínhamos dinheiro para
comprar um telefone verdadeiro, por isso atei dois copos de plástico às pontas de um longo cordel. Ela ia para um quarto e punha o copo ao ouvido para ver se me conseguia ouvir falar, depois obrigava-me a fazer o mesmo. Na minha cabeça passo a vida a falar com ela, na esperança de que, de algum modo, me ouça
telepaticamente. A Liliana está à mercê da Natália, do Andrei, do Violador, do Paul e de muitos outros que ainda nem conheci. A vida dela estava nas minhas mãos. Agora está apenas nas deles.

TRAFICADA : Sibel Hodge  (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora