Haverá dias em que não poderei escrever aqui. Ontem foi um desses dias. Acordei numa carrinha com mais seis raparigas. Havia dois homens na parte da frente da carrinha e o amigo do Andrei ia a conduzir. Reconheci a voz de um desses homens. Foi o que violou a rapariga que estava a chorar no quarto perto do meu. O Violador tem a cabeça rapada e um corpo grande e entroncado. Tem uns olhos azuis que parecem que nos trespassam e os dentes são tortos e manchados. O Segundo homem é mais alto e ainda mais entroncado do que o Violador. Tragava continuamente num cigarro e conversava com os amigos sobre futebol e jogos. Ainda estava grogue quando chegámos à fronteira com a Roménia, mas forcei-me a manter-me
acordada. Olhei para as raparigas à minha volta, que ainda estavam a dormir. Pensava que os guardas da fronteira suspeitariam que havia algo de errado e nos obrigariam a parar. Não achariam eles a carrinha suspeita? Não nos salvariam? Queria estar acordada para que, quando prendessem aquele gangue de homens, pudesse regressar a casa o mais rapidamente possível, para junto da minha mãe e da Liliana. Enquanto parávamos junto à cabina de imigração, saiu de lá um guarda que falou com o amigo do
Andrei pela janela do condutor. O Violador entregou uma série de passaportes ao guarda, que mal lhes deu uma vista de olhos antes de espreitar pelo pequeno vidro da parte traseira da carrinha onde eu estava sentada. Por um segundo, os meus olhos cruzaram-se com os seus e pude vislumbrar uma breve expressão de tristeza e pena cravada na sua cara. Nesse momento soube o que nos estava a acontecer. Olhei-o nos olhos, tentei expressar com os lábios as palavras “Ajude-me”. Depois virou-se rapidamente, fez sinal para a carrinha avançar e percebi que não tinha servido de nada. Não se pode transportar tantas raparigas por ano da Moldávia para outros países para serem escravas sexuais sem o conhecimento dos guardas de fronteira ou de pessoas com cargos importantes. Perguntava a mim própria como se sentiriam se fossem as suas filhas, irmãs ou mulheres. Será que sentiam a mesma coisa nessa altura? Encostei a cabeça ao vidro, a olhar para a interminável estrada durante o que me pareceu durar meio
dia. Algumas das outras raparigas tinham agora começado a acordar e foi a primeira vez que olhámos umas às outras nos olhos. Sei que o meu desespero e medo deve ter-se espelhado nos delas e conseguia sentir o odor do medo nos seus corpos. Queria perguntar-lhes quem eram. Em quem tinham confiado e que as tinham colocado nesta situação? Quais eram as suas histórias? Mas nenhuma de nós falou. Falar significava que isto era real. O amigo do Andrei estacionou a carrinha à beira da estrada e deu-nos mais água com droga,
forçando-nos a bebê-la. Eu não queria beber, mas que escolha tinha? Sabia que quando acordasse tudo estaria pior. Pouco depois que o líquido entrou no meu sistema senti o sono a ameaçar tomar novamente conta de
mim. Fechei os olhos e imaginei-me com a Liliana, com os meus braços em volta do seu corpo frágil e com os meus lábios sobre a sua cabeça. Quase conseguia cheirar o seu champô. A sua cara foi a última coisa que vi antes de mergulhar na escuridão.****
Quando voltei a acordar, parecia que estava presa numa espécie de caixa. Não me conseguia virar; o espaço era demasiado pequeno e escuro, como um caixão. Sentia a garganta seca, com comichão, e os meus músculos estavam tensos. Tentei engolir, mas não tinha humidade na boca. A minha cabeça latejava com a pior dor de cabeça que alguma vez tive e senti náuseas, com o estômago às voltas. Não comia há muito, por isso não tinha comida para vomitar. Em vez disso, senti o ácido da bílis na garganta. Chupei na língua para estimular a formação de saliva para poder engolir, e isto pareceu ajudar. Conseguia ouvir o zoar do tráfego a passar depressa, por vezes algumas buzinas, e os sons altos e baixos da estrada. Adormeci e acordei inúmeras vezes durante esta viagem. Pensava sobre o que teria acontecido às
outras raparigas. Teriam sido mortas? E eu, iria ser morta? As outras raparigas teriam tido sorte e conseguido escapar? Não tinha qualquer noção do tempo, mas parecia que tinham passado dias até ter sido acordada com
sacudidelas pelo Violador. Ele abriu a tampa do meu caixão, que estava escondido no chão de uma carrinha, e arrancou-me de lá por um braço. Todo o meu corpo estava tenso e demorei a tentar mexer-me. Tropeçava enquanto me arrastava da carrinha pela noite escura. Estávamos estacionados à porta de uma casa grande, numa área residencial. Conseguia cheirar o seu mau hálito enquanto me pegava pelo braço e me puxava para os fundos da
casa. O Violador abriu a porta traseira e empurrou-me para uma cozinha, onde um homem grande de barba, que estava a ver televisão, acenou e cumprimentou o Violador. As luzes queimaram-me os olhos no início, até estes se ajustarem à claridade, mas conseguia ver o homem barbudo a sorrir
maliciosamente para mim. ‘Aqui tem a nova rapariga’, disse o Violador a uma mulher de vestido preto curto, saltos altos, batom vermelho e que estava a jogar às cartas com o homem barbudo. Era pouco mais velha que eu, talvez
tivesse uns vinte e cinco anos. Tragou lentamente o seu cigarro e estudou-me cuidadosamente. ‘Muito bonita’. Apagou o cigarro num cinzeiro a abarrotar e caminhou na minha direção, enquanto o
Violador ainda me agarrava pelo braço. ‘Sabes usar preservativos?’ perguntou, tão casualmente como quem fala do tempo. Senti o estômago apertado só de imaginar o que estava para vir. O Violador torceu-me o braço por trás das costas, puxando-o para cima. ‘Responde-lhe’. Gemi e acenei à mulher. ‘Ainda bem’. Sorriu com satisfação e depois agarrou-me no queixo com ambas as mãos e virou-me a
cara para ambos os lados, para me ver melhor. ‘É uma descoberta excelente. Os homens irão adorá-la’, disse ela ao Violador. ‘Não quero dormir com nenhum homem’, sussurrei. ‘Por favor! Faço qualquer outra coisa que quiser.
Posso cozinhar ou limpar ou –’ O Violador puxou-me o braço novamente com tanta força que pensei que o meu ombro ia sair do
lugar. ‘Fazes como dissermos. Agora somos teus donos. Penso que é altura de te dar uma lição’. Arrastou-me da cozinha pelo cabelo e por uma sala onde havia várias mulheres praticamente nuas. A
única coisa que notei enquanto olhavam para mim a cambalear por elas foi que os seus olhos pareciam mortos. Gritei enquanto me puxava pela escada em direção à parte de cima da casa. Empurrou uma porta com
um cadeado no exterior que dava entrada para um quarto. Deu-me um murro no estômago e dobrei-me enquanto o ar desvanecia dos meus pulmões. Ele deu uma gargalhada e eu conseguia cheirar o seu mau-hálito no ar. Bateu-me com a cabeça na
perna da cama de ferro e caí no chão, a lutar para respirar. Depois tudo aconteceu tão depressa que me é difícil lembrar qual foi a ordem dos acontecimentos. Puxou-me o cabelo, bateu-me, deu-me pontapés, deu-me murros, beliscou-me. Tentei levar as mãos à cabeça para me proteger encolhendo-me como uma bola, mas ele veio para cima de mim. Ele agarrou-me pelos braços e segurou-os por cima da minha cabeça com uma mão enquanto me rasgava a saia e as cuecas com a outra. Depois abriu-me as pernas à força com o joelho e entrou em mim. Na minha cabeça gritava ‘Não, não, não!’ uma e outra vez, mas nada me saía da boca. Cerrei os olhos
com força e tentei pensar noutra coisa, mas as dores por todo o lado não me deixavam concentrar. ‘És uma grande puta e vais fazer o que te mandar’, gritou-me ele ao ouvido.
Conseguia ouvir-me a chorar, mas parecia algo vindo de longe, como se estivesse desligada do meu
próprio corpo. Depois de um empurrão final levantou o corpo pesado de cima do meu e apertou as calças.
Finalmente concretizei o meu desejo e enrolei-me em posição fetal no chão para tentar parar a dor. Já não conseguia conter as lágrimas. Corriam-me pela cara, fazendo arder os arranhões, mas já não me importava se ele visse a minha fraqueza. Dando-me um pontapé nas costas, debruçou-se sobre mim e riu-se. ‘Percebes agora?’ perguntou ele.
‘Se não quiseres que isto aconteça à tua filha, vais fazer tudo o que te dissermos’. Depois cuspiu-me na cara, saiu do quarto e trancou a porta. Esta é a minha vida agora.
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TRAFICADA : Sibel Hodge (CONCLUÍDO)
Mystery / ThrillerHá cerca de cinco anos assisti a uma minissérie sobre raparigas da Europa de Leste que tinham sido traficadas. Isto assombrou-me durante muito tempo e, gradualmente, foi desvanecendo da minha mente e consegui seguir com a minha vida. Depois, há pouc...