DIA 26

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A Sasha faz-me companhia. Penteia-me o cabelo e canta para mim. Faz-me lembrar quando fazia totós e rabos-de-cavalo à Liliana, enquanto inventava canções tontas para a manter sossegada até conseguir terminar. Já estou forte o suficiente para sair da cama por curtos períodos de tempo, mas não quero. A Sasha
senta-se na minha cama e joga às cartas comigo, mesmo não querendo eu falar com ninguém. Prefiro tapar a cabeça com os lençóis num casulo escuro e chorar, mas a Sasha não aceita um não como resposta. Acho que ela sabe o que estou a pensar. Mordeu o lábio inferior à espera que eu falasse. Não lhe
disse nada. Gostava de poder dizer que confio nela, mas como saberei de certeza? Não posso contar o meu plano a ninguém. Preciso de saber o que aconteceu às raparigas que ela conheceu nos últimos três anos. Quero
perguntar-lhe diretamente se alguma conseguiu escapar para sempre. Alguma conseguiu alcançar a liberdade de forma permanente, ou foram sempre arrastadas de volta a esta vida pelos seus chulos e traficantes? Se lhe perguntar isso, saberá com certeza o que estou a pensar. Então, em vez disso, pedi-lhe que falasse comigo enquanto ficava deitada com os olhos fechados. A sua voz era reconfortante e não demorou muito para que me contasse sobre a sua vida na Rússia. Tal como eu, a Sasha pensa sobre o que se passa em casa dela. Disse que a mãe deve pensar que ela
está morta e, às vezes, não consegue sequer pensar nisso. Sei como ela se sente. A Liliana e a minha mãe devem estar loucas de preocupação porque não
tiveram notícias minhas. Prometi que as avisava quando chegasse bem a Itália. Por esta altura já devia estar a tratar de tudo para as chamar para virem viver comigo. Gostava de saber se a Natália lhes contou o que realmente me aconteceu. Sobre o que ela fez. A Sasha ia ser chef. Era a melhor aluna do seu curso de culinária. Contou-me sobre todos os pratos
que criou e quase me deu fome para prová-los. Quase! À medida que a tarde se desenrolava, contou-me sobre outra rapariga que tinha ouvido dizer que
escapou. Fiquei com as orelhas em pé, mas mantive os olhos fechados e não dei quaisquer indícios. Esta rapariga era da Roménia e trabalhava num bordel em Espanha. Um dia, a polícia fez uma rusga ao hotel e a rapariga foi presa com as outras e levada sob custódia. A rapariga não contou à polícia o que lhe tinha acontecido por causa das ameaças do chulo, que lhe disse que mataria a sua família se ela revelasse o que realmente estava a acontecer. Soou-me familiar. A Sasha disse que o polícia até deixou que o chulo a visitasse na prisão, onde lhe repetiu as ameaças. A rapariga não se sentia segura o suficiente para explicar às autoridades que tinha sido traficada e, quando a imigração espanhola a devolveu à Roménia, o chulo voltou a encontrá-la. Talvez eu deva pôr a esperança de lado.

TRAFICADA : Sibel Hodge  (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora