DIA 7

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Nestes últimos dias não tenho conseguido escrever nada. Dói-me tudo, até as mãos. Tenho chorado tanto que acho que já não me resta água no corpo. Nunca acreditei em Deus, mas dou comigo a rezar. Não sei bem a quem, mas sinto que tenho que fazêlo. Se Deus existe, como pode Ele deixar que isto aconteça? Não acredito que haja qualquer ser superior que me possa ajudar agora. As minhas preces não são dirigidas a nenhum tipo de Deus, são mensagens silenciosas para me manter forte. Só penso na Liliana e na minha mãe. Quem me dera poder falar com elas e dizer-lhes que sinto tantas
saudades que me dói o coração. Quero ouvir as suas vozes e abraçá-las. Quero acordar deste pesadelo e sentir-me segura nos seus braços. Também penso no meu pai e no meu marido, Stefan. Morreram há anos e, pela primeira vez, fico
contente. Ficariam destroçados com o que me aconteceu. Por um lado tive uma infância feliz, porque o meu pai era um homem habilidoso. Se algo se
avariasse, geralmente era a ele que recorriam para arranjar. Parecia ter um dom natural para compreender como tudo funcionava e as pessoas das aldeias dos arredores chamavam-no sempre para arranjar tudo. Por causa disto, vivíamos melhor do que muitos dos nossos vizinhos e, quando morreu, deixou umas poupanças à minha mãe. As coisas continuavam a não serem fáceis para nós, mas ajudou até o dinheiro se esgotar e eu necessitava desesperadamente de arranjar emprego. O meu pai ensinou-me inglês quando era pequena. Não sei onde conseguiu arranjar os livros, mas, de
um modo ou de outro, conseguia sempre o que queria – era um homem com muitos recursos. Ele sabia que a única maneira de eu ter uma vida melhor era aprendendo inglês para procurar novas oportunidades noutro país. Ele queria que eu fizesse algo especial com a minha vida – era o seu sonho ver isso acontecer. E talvez tivesse acontecido se ele e o Stefan não tivessem ambos morrido num acidente de automóvel
no dia em que descobri estar grávida da Liliana. Não consigo mudar o passado e, agora, também não tenho qualquer controlo sobre o futuro. É irónico que tenha finalmente conseguido mudar de país, mas não será para ficar melhor.

TRAFICADA : Sibel Hodge  (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora