DIA 10

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Eu era um ser humano, mas agora sou uma escrava sexual. Nunca mais ficarei limpa. Não interessa quantas vezes me esfrego e volto a esfregar, a tentar arrancar a pele, ficarei sempre com a sujidade deles entranhada. Na minha pele, por baixo das unhas, dentro de mim e cravada na alma. A noite passada, as raparigas de olhar mortiço esperavam pelos homens na área de estar. Quando os
homens chegavam, escolhiam que escrava queriam e as raparigas conduziam-nos para os quartos em silêncio. Quando eu era criança, vi uma vaca a ser coberta e os seus gritos ensurdecedores ainda hoje me
assombram. Estava presa numa apertada cerca de metal para não se mexer e eles trouxerem o touro para ter sexo com ela. Os olhos da vaca reviravam-se e fazia um barulho desesperado, como se quisesse escapar. O sexo com estes homens é igual. Estou presa e à mercê deles. Não podia chorar como a vaca, por
isso fiquei em silêncio, mas fechei os olhos e divaguei para outro lugar. Queria gritar, “Não!” mas sabia que não podia. Por detrás das pálpebras imaginei a Liliana, segura com a minha mãe, a brincar com o seu peluche preferido, um cão chamado Ivan. O Ivan está caído e gasto dos anos de uso. Já não tem um olho e a orelha direita está meia a cair, a precisar de uns pontos. A Liliana falou comigo. Disse-me que estava bem, segura e que era amada. Disse que tem saudades
minhas e quer que regresse a casa e, quando disse isto, uma lágrima silenciosa correu-me pela face. Os homens não notaram. Estavam em cima, por trás, por baixo, dentro de mim, mas não me conseguiam ver verdadeiramente. Sou uma coisa, um brinquedo, um objeto. Uma escrava que está lá apenas para eles darem asas às suas fantasias. No meu sonho acordado com a Liliana, ela estava a dar-se bem na leitura. A minha mãe tinha-a
ensinado a ler um livro novo. A Liliana é inteligente e aprende depressa. Devora histórias e espero que um dia seja médica ou advogada. Tinha um pouco de açúcar em volta da boca, por comer demasiadas bolachas daquelas que a minha mãe adora fazer. Dez homens fizeram sexo comigo ontem à noite. Parte de mim sente emoções demasiado fortes e outra
parte sente que morreu. Estou de luto pela parte de mim que nunca mais irá regressar. Sinto-me envergonhada, culpada, enojada. Sinto ódio e raiva, mas não o posso demonstrar. Tinha que fingir que gostava, mas sentia-me enojada. Fisicamente nauseada até ao meu âmago. E há uma parte de mim que se sente dormente porque não quer pensar no que me aconteceu. No que me está a acontecer. Parece que me transformei num fantasma preso num corpo de vinte e dois anos e a ver o mundo de dentro para fora, mas ninguém me consegue ver. E, quando penso no Stefan, sei que quando fazíamos amor era real. Era gentil e altruísta. Tento não
pensar nisso porque sinto demasiadas saudades dele e sei que nunca mais serei normal. Nunca pensarei num amante do mesmo modo que o fazia com o Stefan. As minhas cicatrizes não são visíveis, mas irão torturar-me para sempre. Porque é que isto me aconteceu a mim? Às outras raparigas? Não há ninguém que saiba o que se passa no mundo? Porque não mandam alguém para nos ajudar? Arrependo-me por tudo de mal que fiz na vida, mas nunca acreditarei que isto é culpa minha. Nunca
pedi isto, só queria dar uma vida melhor à minha família. Agora, quando me vejo ao espelho, também tenho olhos mortiços.

TRAFICADA : Sibel Hodge  (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora