Capítulo IX - Flores de Sangue

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ALERTA DE GATILHO: Abuso psicológico, verbal, sexual e violência


Pela milionésima vez, eu tenho um amor.
Para os meninos de olhos azuis, eu tenho um amor.
Para os jovens cruéis, eu tenho um amor.
Você não vai me dizer, por favor,
Por que eles não têm nenhum amor por mim.

Você não vai me dizer, por favor...
Por que eles não mostram nenhum amor por mim?

— The Kills, "Siberian Nights"



— Ainda quatro séculos atrás —

Eros gritou por detrás da boca fechada quando sentiu a pele suave e macia se romper entre as presas do irmão. Sangue dourado, cálido e doce brotou do ferimento aberto e Fobos bebeu dele como se fosse ambrosia.

Lágrimas quentes e pesadas encheram seus olhos fechados. Lágrimas de dor, de raiva, de medo. Ele engoliu a seco, ouvindo o barulho molhado e repugnante do irmão, lambendo o que restava do seu sangue.

Seu sangue. Seu corpo. Seu orgulho. Eles macularam a todos naquele dia.

O deus do Amor ergueu os olhos pretos para a luz. Estava um dia lindo. O céu aberto e iluminado, num tom escandaloso de azul, nem muito quente, nem muito frio. O ar excepcionalmente fresco e carregado com o perfume do fim da primavera. Aquilo parecia errado, ninguém devia morrer por dentro num dia ensolarado.

O deus conseguiu manter sua alma, líquida e salgada, presa na borda dos olhos escuros. Num ultimo rompante inútil e teimoso de coragem, mas estava apavorado. Os anos de abuso e violência lhe voltavam doloridamente à cabeça e ele descobriu, tragicamente, que não sabia mais como reagir aquilo.

Fobos finalmente tirou a boca maldosa da sua pele machucada, com estalos sonoros e rítmicos dos lábios.

— Por que tão gostoso?... — murmurou distraidamente, quase para si mesmo. Ele circulou a ponta dos dedos hirsutos sobre as duas meias luas ensanguentadas que fizera no ombro do Cupido, que refreou um arquejo de dor e subiu devagar pela cútis exposta, numa carícia ofensiva. — Por que tudo em você é tão gostoso? — parou o polegar num novo pedaço de pele intacta, na curva do pescoço, pressionando a digital ali, como que a marcasse.

Eros previu a sua intenção e sua boca tremeu com a antecipação cruel.

— Fobos, não... — ele implorou, abrindo os olhos, um nó formado na garganta. — Por favor, não...

O Medo ouviu o embargo incomum na sua voz e numa fome predatória, ergueu a vista para o rosto do irmão. Quando notou o brilho molhado adornado seus cílios claros e compridos, sorriu com absolutamente todos os dentes, como se o Amor houvesse acabado de prestar-lhe a mais alta das homenagens.

— Você quer chorar? — perguntou baixinho, num tom quase tocante. — Chore. Chore muito. Chore para mim. — pediu, sussurrando como um amante arrebatado. — Chore e eu beberei suas lágrimas como um morto de sede. Você quer gritar? — ele continuou, começando a arranhar a pele sobre seu polegar, extasiado. — Grite e eu fecharei a sua boca macia com a minha, e sufocarei a sua voz suave entre os meus dedos. Você quer lutar? — riu fugazmente, passando a língua pelos dentes, depois disse numa expressão terrível. — Lute e fará de mim o deus mais feliz do Olimpo.

Dito isso, mordeu a curva do seu pescoço, afundando as presas na sua carne até sentir o gosto do icor adocicado do seu sangue.
Eros escondeu o rosto na pedra do muro quando lágrimas desobedientes escorregaram por sua face lívida.

*

Alguém bateu energeticamente na porta de madeira pesada. Jacinto levantou do seu colo num pulo assustado, acordando do cochilo suave em que se encontrava imediatamente.

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